terça-feira, 21 de maio de 2013

A MILITARIZAÇÃO DO CRISTIANISMO

Jesus ensinava a "dar a outra face", a "amar os próprios inimigos", mandou Pedro devolver a espada à bainha e o reprovou: "Quem com a espada fere com a espada perece" (Mateus, 26, 52).

Talvez nem todos os primeiros cristãos estivessem dispostos a "dar a outra face" e a sacrificar a vida, mas, com certeza, entre eles era muito difundido um sentimento de repúdio às armas. Teólogos e bispos, venerados ainda hoje como santos, escreveram páginas inequívocas sobre o assunto.

Nós, cristãos, não erguemos mais a espada contra uma nação, não aprendemos mais a arte militar.

O fato é que nos tornamos filhos da paz, graças a Jesus Cristo, que é nosso Senhor, e desertamos de chefes a quem serviram nossos antepassados: se aceitássemos suas ordens, nós nos tornaríamos estranhos à promessa divina. Que se diga ao soldado para não matar. Se receber ordem para matar, que se recuse. Do contrário, que seja afastado [da Igreja]. Se um catecúmeno ou fiel quiser servir como soldado, que seja afastado, pois despreza Deus. O cristão não pode se tornar soldado voluntariamente. Quem carrega uma espada deve prestar atenção para que não faça escorrer sangue. Se o fizer, não poderá participar dos mistérios.

Quando alguém comete homicídio, fala-se de crime; mas quando é o Estado que o encomenda, chama-se "ato de coragem". Aos cristãos não é permitido matar outrem; ao contrário, que deixem que assassinem a ele.

Alguns cristãos chegaram a enfrentar o martírio por se recusarem ao serviço militar, como o jovem Maximiliano. Convocado em 295, declarou: "Não me é lícito prestar serviço militar, pois sou cristão", e foi decapitado.

As coisas mudaram com a chegada de Constantino.

O Concilio de Áries, de 314, excomungou os cristãos que desertaram em tempos de paz.

O Concilio de Nicéia pareceu retomar os velhos costumes, tanto que o cânone 12, nele aprovado, dispõe: "Aqueles que, sentindo-se chamados pela graça, e por zelo a abandonaram a divisa, mas logo depois, como cães, voltaram atrás, chegando a oferecer dinheiro e presentes para serem aceitos novamente ao exército, devem permanecer entre os penitentes por treze anos..." Durante o reinado de Teodósio I, ao contrário, foram excomungados os relutantes e os desertores.

Os perseguidos se tornam perseguidores: a repressão ao paganismo.

Os cristãos, que ainda exibiam na carne os sinais das perseguições, tornaram-se perseguidores.

Durante os últimos anos de vida de Constantino, vários templos pagãos foram demolidos, sobretudo no Oriente. Outros templos continuaram em atividade, mas foram despojados de tudo que tinham de precioso: estátuas, objetos preciosos, revestimentos de ouro e prata, portas de bronze. Muitas obras de arte foram levadas para embelezar a nova capital: Constantinopla.

As festas tradicionais pagãs, com seus jogos circenses e as lutas entre gladiadores, eram cada vez menos toleradas, com exceção daquelas em homenagem ao imperador e à sua família.

Só em Roma os templos e antigos cultos continuaram íntegros.

Em 341, Constante tentou proibir os sacrifícios com um edito. Mas a política anti-pagã dos sucessores de Constantino bateu de frente com um grande descontentamento por parte do povo.

Em 361, subiu ao poder o imperador Juliano, apelidado de "apóstata" pelos historiadores. Ele tentou reorganizar a antiga religião politeísta e criou estruturas de assistência aos pobres, que concorriam com aquelas cristãs. Ao mesmo tempo, assegurou a liberdade de culto a todas as religiões do Império, inclusive ao judaísmo e às comunidades cristãs hereges.

Juliano morreu após apenas dois anos de reinado, e seus sucessores retomaram a política anti-pagã.

Em 392, o imperador romano Teodósio I proibiu mais uma vez todos os sacrifícios e cultos pagãos, fossem públicos ou privados, sob pena de confiscar os locais ou terrenos em que eram realizados. Os templos foram abandonados. Muitos foram demolidos, outros foram transformados em igrejas cristãs.

Os pagãos desfilavam em verdadeiros cortejos de protestos, exibindo suas imagens sagradas. Essas manifestações, por sua vez, desencadearam a reação dos cristãos e provocaram sangrentos tumultos.

O imperador Teodósio II (408-450) mandou punir algumas crianças, culpadas de brincar com restos de estátuas pagas. E, de acordo com os elogios dos cristãos, Teodósio "seguia conscienciosamente cada ensinamento cristão”.

Em 415, em Alexandria, uma turba de fanáticos cristãos linchou a matemática, astrônoma e filósofa neoplatônica Hipácia, importante expoente da cultura pagã.

Nos séculos que se seguiram, as antigas religiões pré-cristãs se tornaram cultos cada vez mais diminutos, ainda praticados em algum vilarejo camponês perdido (a palavra "paganismo" deriva, na verdade, do latim pagus, "vilarejo") ou em grande segredo por alguns intelectuais neoplatônicos.

Mas o paganismo não morreria completamente. Ele “... revive nas manifestações litúrgicas ligadas à vida do dia-a-dia, nas libações sagradas e no uso cada vez mais difundido do incenso, no culto aos santos e às relíquias, que tomam o lugar dos ídolos, na veneração a algumas árvores, animais, fontes e fenômenos naturais, que vive ainda nos dias de hoje”.

Texto extraído do livro: O LIVRO NEGRO DO CRISTIANISMO - Dois mil anos de crimes em nome de Deus - Jacopo Fo, Sérgio Tomat, Laura Malucelli

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