domingo, 19 de maio de 2013

O PRIMEIRO CONSELHO DE NICÉIA E AS HERESIAS

Por volta de 314, ao menos dois grandes movimentos heréticos surgidos no norte da África, onde se encontravam as comunidades cristãs mais numerosas e ricas do Império, preocupavam Constantino.

O primeiro foi o cisma dos donatistas, um movimento rigorista, contrário aos compromissos com o poder imperial, que contava com muitos prosélitos e que, em 311, chegou a eleger em Cartago um anti-bispo, em contraposição ao legítimo.

Constantino, após tentar uma mediação, acabou apoiando o bispo legítimo Ceciliano, subvencionando a Igreja "oficial", proibindo que os donatistas usassem os locais de culto e negando o asilo para alguns de seus líderes. Em seguida, seu filho Constante promoveu uma perseguição ainda mais cruel e sanguinária contra eles.

O outro movimento era muito mais perigoso: tratava-se dos agostinianos, um verdadeiro exército de guerreiros em nome de Cristo.

Os agostinianos eram expoentes de classes populares com reivindicações políticas e sociais, como a libertação dos escravos, o perdão das dívidas e o fim dos usurários.

Eles se organizavam em batalhões armados que realizavam incursões avassaladoras nas grandes propriedades, incendiando casas e matando as famílias dos latifundiários mais odiados.

Foram massacrados pelas tropas imperiais.

Na época de Constantino, outra grande disputa dividia o cristianismo. Principalmente no Oriente, os cristãos haviam se dividido entre partidários e adversários de Ário, um presbítero da diocese de Alexandria.

Ário e seus seguidores afirmavam que o Filho de Deus, ao contrário do Pai e tendo sido por Ele criado, teve um início; portanto, Cristo representava uma divindade de segundo plano. Foi para resolver essa questão que Constantino convocou, em 325, em Nicéia (na antiga Turquia), aquele que ficou na história como o primeiro concilio geral da Igreja Católica. Dele participaram mais de 300 bispos e prelados, com exceção do bispo de Roma, que mandou dois representantes.

As conclusões desse primeiro concilio foram muito importantes para a história da Igreja. A grande maioria dos padres aprovou um Credo, no qual se afirmava que o Filho fora gerado, e não criado, com a mesma substância do Pai (em grego, homooüsion, quando, para os arianos, era apenas homoioúsion, ou seja, "de substância similar"). Pela primeira vez, foi proclamado dogma, ou seja, verdade revelada, um termo que não estava contido nas Escrituras (em nenhuma passagem, o Novo ou o Antigo Testamento afirmam que o Filho é consubstanciai ao Pai).

Além disso, os Padres Conciliares declararam sua crença no Espírito Santo, tradução do hebraico ruah, que era, no entanto, de gênero feminino. A Trindade proclamada pelo Concilio era constrangedoramente similar à tríade das religiões politeístas. E, para surpresa, até os bispos arianos aprovaram o novo Credo, salvo por dois deles, que logo foram exilados.

No Concilio de Nicéia, foram tomadas outras decisões muito importantes para a vida da Igreja: por exemplo, ficou estabelecido que apenas outros bispos, e não mais as comunidades que reuniam todos os fiéis, poderiam consagrar um novo bispo. O território da cristandade também foi dividido em zonas de influência, sujeitas ao poder, respectivamente, dos bispos de Roma, Antióquia e Alexandria, que passaram a se chamar metropolitas. A legitimação da autoridade na Igreja não vinha mais de baixo para cima, mas de cima para baixo.

O Concilio não marcou o fim do arianismo. Entre 327 e 328, Constantino reabilitou Ário e alguns de seus seguidores, e nomeou como conselheiro o bispo ariano Eusébio de Nicomédia, que o batizaria em seu leito de morte. Pelo contrário, a partir de 326 foram exiladas dezenas de bispos anti-arianos.

Sucederam-se vários combates entre facções, com muitos mortos e feridos; concílios e contra-concílios, que condenavam ora uma tese, ora outra; de exílios e de retornos; de perseguições por parte de imperadores "arianos" e "niceianos".

Todos os historiadores concordam que Constantino não entendia nada de questões doutrinárias. A única coisa que lhe interessava era tornar o cristianismo uma crença homogênea, sem nuances, sem ambiguidade, livre de conflitos internos perigosos.

Tirando isso, a unidade era uma obsessão sua: unidade do poder político em torno de sua pessoa e dinastia; unidade das populações sujeitas a Roma, amalgamadas por uma religião única, na qual confluíam elementos culturais de origens diferentes; e unidade da Igreja, obtida impondo-se a todos os crentes a opinião da maioria, ou pelo menos da maioria dos amigos do imperador, e se estes mudavam, mudava também a política religiosa do imperador.

As motivações de ordem política e social eram evidentes na repressão aos donatistas e aos agostinianos.

A história da heresia ariana, no entanto, foi mais complicada. Nem as teses trinitárias nem as arianas colocavam em risco o projeto imperial de hegemonia, mas a controvérsia em si representava um perigo.

Não se podem obter estabilidade e paz social com uma religião partida em facções que se condenam e renegam reciprocamente a autoridade e legitimidade da outra. Escolher significava, contudo, um "mal menor". Provavelmente, o que fez a balança pender primeiro para uma posição, depois para outra, foram considerações muito pragmáticas: a cada vez, a efetiva força de uma ou outra corrente ou a utilidade de seus defensores.

Texto extraído do livro: O LIVRO NEGRO DO CRISTIANISMO - Dois mil anos de crimes em nome de Deus - Jacopo Fo, Sérgio Tomat, Laura Malucelli

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