Por
volta de 314, ao menos dois grandes movimentos heréticos surgidos no norte da
África, onde se encontravam as comunidades cristãs mais numerosas e ricas do
Império, preocupavam Constantino.
O
primeiro foi o cisma dos donatistas, um movimento rigorista, contrário aos
compromissos com o poder imperial, que contava com muitos prosélitos e que, em
311, chegou a eleger em Cartago um anti-bispo, em contraposição ao legítimo.
Constantino,
após tentar uma mediação, acabou apoiando o bispo legítimo Ceciliano,
subvencionando a Igreja "oficial", proibindo que os donatistas
usassem os locais de culto e negando o asilo para alguns de seus líderes. Em
seguida, seu filho Constante promoveu uma perseguição ainda mais cruel e
sanguinária contra eles.
O
outro movimento era muito mais perigoso: tratava-se dos agostinianos, um
verdadeiro exército de guerreiros em nome de Cristo.
Os
agostinianos eram expoentes de classes populares com reivindicações políticas e
sociais, como a libertação dos escravos, o perdão das dívidas e o fim dos
usurários.
Eles
se organizavam em batalhões armados que realizavam incursões avassaladoras nas
grandes propriedades, incendiando casas e matando as famílias dos
latifundiários mais odiados.
Foram
massacrados pelas tropas imperiais.
Na
época de Constantino, outra grande disputa dividia o cristianismo.
Principalmente no Oriente, os cristãos haviam se dividido entre partidários e
adversários de Ário, um presbítero da diocese de Alexandria.
Ário
e seus seguidores afirmavam que o Filho de Deus, ao contrário do Pai e tendo
sido por Ele criado, teve um início; portanto, Cristo representava uma
divindade de segundo plano. Foi para resolver essa questão que Constantino
convocou, em 325, em Nicéia (na antiga Turquia), aquele que ficou na história
como o primeiro concilio geral da Igreja Católica. Dele participaram mais de
300 bispos e prelados, com exceção do bispo de Roma, que mandou dois
representantes.
As
conclusões desse primeiro concilio foram muito importantes para a história da
Igreja. A grande maioria dos padres aprovou um Credo, no qual se afirmava que o
Filho fora gerado, e não criado, com a mesma substância do Pai (em grego, homooüsion,
quando, para os arianos, era apenas homoioúsion, ou seja, "de
substância similar"). Pela primeira vez, foi proclamado dogma, ou seja,
verdade revelada, um termo que não estava contido nas Escrituras (em nenhuma
passagem, o Novo ou o Antigo Testamento afirmam que o Filho é consubstanciai ao
Pai).
Além
disso, os Padres Conciliares declararam sua crença no Espírito Santo, tradução
do hebraico ruah, que era, no entanto, de gênero feminino. A
Trindade proclamada pelo Concilio era constrangedoramente similar à tríade das
religiões politeístas. E, para surpresa, até os bispos arianos aprovaram o novo
Credo, salvo por dois deles, que logo foram exilados.
No
Concilio de Nicéia, foram tomadas outras decisões muito importantes para a vida
da Igreja: por exemplo, ficou estabelecido que apenas outros bispos, e não mais
as comunidades que reuniam todos os fiéis, poderiam consagrar um novo bispo. O
território da cristandade também foi dividido em zonas de influência, sujeitas
ao poder, respectivamente, dos bispos de Roma, Antióquia e Alexandria, que
passaram a se chamar metropolitas. A legitimação da autoridade na Igreja não
vinha mais de baixo para cima, mas de cima para baixo.
O
Concilio não marcou o fim do arianismo. Entre 327 e 328, Constantino reabilitou
Ário e alguns de seus seguidores, e nomeou como conselheiro o bispo ariano
Eusébio de Nicomédia, que o batizaria em seu leito de morte. Pelo contrário, a
partir de 326 foram exiladas dezenas de bispos anti-arianos.
Sucederam-se
vários combates entre facções, com muitos mortos e feridos; concílios e contra-concílios,
que condenavam ora uma tese, ora outra; de exílios e de retornos; de
perseguições por parte de imperadores "arianos" e
"niceianos".
Todos
os historiadores concordam que Constantino não entendia nada de questões
doutrinárias. A única coisa que lhe interessava era tornar o cristianismo uma
crença homogênea, sem nuances, sem ambiguidade, livre de conflitos internos
perigosos.
Tirando
isso, a unidade era uma obsessão sua: unidade do poder político em torno de sua
pessoa e dinastia; unidade das populações sujeitas a Roma, amalgamadas por uma
religião única, na qual confluíam elementos culturais de origens diferentes; e
unidade da Igreja, obtida impondo-se a todos os crentes a opinião da maioria,
ou pelo menos da maioria dos amigos do imperador, e se estes mudavam, mudava
também a política religiosa do imperador.
As
motivações de ordem política e social eram evidentes na repressão aos
donatistas e aos agostinianos.
A
história da heresia ariana, no entanto, foi mais complicada. Nem as teses
trinitárias nem as arianas colocavam em risco o projeto imperial de hegemonia,
mas a controvérsia em si representava um perigo.
Não
se podem obter estabilidade e paz social com uma religião partida em facções
que se condenam e renegam reciprocamente a autoridade e legitimidade da outra.
Escolher significava, contudo, um "mal menor". Provavelmente, o que
fez a balança pender primeiro para uma posição, depois para outra, foram
considerações muito pragmáticas: a cada vez, a efetiva força de uma ou outra
corrente ou a utilidade de seus defensores.
Texto extraído do livro: O
LIVRO NEGRO DO CRISTIANISMO - Dois mil anos de crimes em nome de Deus - Jacopo
Fo, Sérgio Tomat, Laura Malucelli
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