domingo, 24 de novembro de 2013

O PORQUÊ DESSA URGÊNCIA DE PREGAR O EVANGELHO DE JESUS CRISTO?

Frei Silvestre, portador de alta dignidade, estava guardando uma pergunta, para que todos ouvissem com atenção, e assim se expressou com alegria:

- Pai Francisco!... Se for oportuno, eu queria compreender melhor o Porquê dessa urgência de pregar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, se a igreja Católica já o faz há mais de mil anos.

Francisco, agraciado pela paz de coração e rejubilando-se de contentamento, principalmente pela pergunta articulada, falou sem rodeios:

- Devo, nesta hora, dizer a todos os companheiros de trabalho, a nossa diante da Igreja, onde o nome de Pedro, o Apóstolo, figura como o primeiro Apóstolo da cristandade.

Primeiramente, queremos que todos compreendam e saibam do nosso respeito por essa Igreja de Deus, que se fez presente no mundo pelos seus representantes. Essa Igreja lutou com todas as suas forças, no sentido de manter o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo aceso em todas as suas virtudes. Depois de determinado tempo, ela se aliou, como é do conhecimento de todos os irmãos, ao Estado para aliviar as perseguições contra os cristãos, de maneira tal que o Evangelho pudesse avançar mais livre da ignorância humana, envolvendo o espírito na letra, que silencia certas verdades. Até aí concordamos, devido à situação espiritual da humanidade de não estar preparada para tal vivência em espírito e verdade. No entanto, o deslize avançou além das linhas em que deveria parar e descuidaram em demasia da essência, de sorte a procederem de forma pior do que os políticos e os guerreiros. E o contrassenso maior foi e é matar em nome de Deus e de Jesus Cristo.

Eles, os dirigentes da Igreja Católica Apostólica Romana, perderam as condições espirituais de pregar o Evangelho. Muitos deles já nasceram condicionados pelas novas escolas de sacerdotes, imbuídas do crime, do orgulho e do egoísmo, do fausto e do mando, da prepotência e da vingança. E agora, como voltar atrás e reconduzir a religião às bases verdadeiras? O tesouro maior do mundo escapou das suas mãos, pelas interpretações de falsos teólogos, eivados que estavam e estão da influência do ouro e do bem-estar material. Se não fosse isso, não precisariam do nosso trabalho. Nós iríamos, de corpo e alma, engrossar as fileiras do clero organizado.

Estamos aqui, como nos recomenda o Senhor, que sempre ouvimos, para levantarmos a Sua Igreja e reconstruí-la nos alicerces primitivos de Amor e de Caridade. Não se pode dizer que todos da Igreja erraram, pois generalizar qualquer assunto é demonstração de cegueira espiritual. Existem muitos sacerdotes que lutaram e lutam, dando a própria vida em favor da pureza dos conceitos do Cristo, e isso é louvável nos dias que correm.

Mas, os dirigentes, na maior parte estão influenciados pela dissonância doutrinária. Esqueceram o Amor e, se porventura falam nele, não o vivem. Esqueceram a Caridade, e se por vezes falam nela, se esquecem das obras. Esqueceram o Perdão e se lembram dele algumas vezes, nunca perdoam. Falam muito de Paz, entretanto não dão um passo em favor dela...

Somos ovelhas no meio de lobos, pelas ideias que estamos cultivando, a qualquer hora seremos atacados, porque a nossa prática vai prejudicar a vida deles incompatível com a vida de Jesus Cristo. A urgência que temos de pregar o Evangelho é neste sentido: relembrar o Evangelho primitivo, de que, graças a Deus não uma letra, mas o sentido, com o qual poderemos, com a graça de Deus, recompor usando mais da própria prática, para depois falar daquilo que foi vivido.

Reiteramos aqui o nosso agradecimento a essa Igreja que caindo, por ter conduzido o nome de Jesus na viagem dos séculos, e onde o reencontramos na vida de alguns corações que amam. Agradecemos, ainda, pela aquiescência de Sua Santidade em abrir os caminhos e aceitar as regras propostas por nós junto à sua compreensão.

Não devemos esperar nesta jornada, algo de bom para o nosso próprio proveito, porque a humanidade já está habituada aos maus costumes, e o nosso trabalho é de sacrifício, de disciplina e de Amor, na sua mais alta pureza, concernentes aos bons sentimentos. Não devemos julgar qualquer pessoa nem as intimações, que já se fizeram presentes no mundo, mas, temos um dever, pela voz que nos chama a trabalhar. E se acreditamos nela, vamos sem esperar. Vamos servir!

Do livro: FRANCISCO DE ASSIS - JOÃO NUNES MAIA (MIRAMEZ)

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

TÓPICOS DAS REGRAS FRANCISCANAS ENVIADAS AO PAPA INOCÊNCIO III

Francisco, não podendo falar com o Papa Inocêncio III, enviou-lhe alguns tópicos das regras, nas quais iria basear a vida de todos os franciscanos, e inspirava-se nas passagens do Evangelho, para maior segurança do que estava falando ao Homem de Deus e seus cardeais:

Rogamos a Deus e a Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoe pelas mãos de Vossa Santidade. Seríamos muito felizes se Deus nos permitisse o diálogo com Vossa Santidade.

Nossa pobre consciência pede e o nosso coração anseia por tal momento; se a nossa condição espiritual não o permite, curvamo-nos diante da vossa vontade, com a humildade que a nossa fraca condição pode expressar. Não seria justo insistir mais do que já o fizemos, e não pretendemos desgastar a vossa iluminada mente com coisas que, porventura, achais desnecessárias. Compete-nos ir embora, confiantes em Deus e pedindo a Jesus que nos guie por caminhos convenientes, favorecendo-nos com as sementes do Bem, onde elas possam frutificar.

Sabemos que o tempo de Vossa Santidade é precioso, na vigilância da Igreja que Nosso Senhor Jesus Cristo dirige por vossas mãos. Não podemos mais teimar; no entanto, queremos que a vossa iluminada percepção observe que pretendemos basear os princípios da nossa comunidade onde o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo possa evidenciar-se, como um tesouro dos Céus entregue às criaturas da Terra, como herança na para a paz de todos os povos.

Respeitamos muito a nossa Igreja pelo que ela é e pelo que tem feito em favor da coletividade; todavia, existem no seio da nossa amada religião desvios que o coração em Cristo não pode suportar. O ouro acumulado gera guerras e as guerras pedem mais ouro.

Das guerras e do ouro, gera-se um filho destruidor dos povos, que se chama egoísmo; deste, nascem a prepotência e a perseguição. E onde fica o Cristo, nesse ente de revolta? E quem tem coragem de pregar o Evangelho nessa atmosfera de contradições?

Com toda humildade, pediria a Vossa Santidade e aos eminentes cardeais que vos assistem, que atentásseis para o que quero expressar nesta carta, e que me perdoeis se eu estiver errado ou falando o que não devo.

Não sou eu, que nada tenho para ensinar, principalmente à Vossa Santidade, quem escreve os ensinamentos que se seguem. São extraídos do Evangelho e servem de base para as nossas regras, que pretendemos seguir letra por letra:

Nem jamais comemos pão de graça, à custa de outrem, pelo contrário e labor da fadiga, de noite e dia, trabalhávamos a fim de não ser pesado nenhum de vós. (II Tes, 3:8).

E continua o Apóstolo:

Não porque não tivéssemos esse direito, mas por termos em vista oferecer-exemplos em nós mesmos, para nos imitardes. (II Tes, 3:9).

Porque, quando ainda convosco, vos ordenamos isto: Se alguém não quer trabalhar, também, não coma. (II Tes, 3:10)

E Mateus nos ajuda no ponto primordial da questão, assim afirmando capítulo dez, versículos nove e dez:

Não vos proveis de ouro, nem de prata, nem de cobre nos vossos cintos. Nem de alforjes para o caminho, nem de duas túnicas, nem de sandálias, nem de bordão, porque digno é o trabalhador de seu alimento.

E ainda mais assevera o Mestre, anotado por Marcos, capítulo no versículo trinta e cinco:

E ele, assentando-se, chamou os doze e lhes disse: Se alguém quer ser o primeiro, seja o último e servo de todos.

Estas bases estão fundamentadas no sacrifício de nós mesmos em favor do Evangelho, na renúncia, na humildade sem ostentação, no perdão incondicional, no desprendimento sem vaidade, e no amor que nunca deverá exigir.

Pedimos perdão se, por negligência nossa, ofendemos a Vossa Santidade e que desculpeis a nossa pretensão de sermos atendidos. Que Deus e Cristo nos abençoe a todos e que Maria Santíssima cubra a Igreja com o seu manto de luz. Amém.

O Papa Inocêncio III estava em reunião com os cardeais que formavam a corte Apostólica Romana. Em seus dedos brilhavam anéis caríssimos que, junto com suas riquíssimas vestes, formavam verdadeiro contraste com as dos frades humildes que procuravam o alto clero católico, para um diálogo livre e sem premeditadas interpretações. Francisco iria conversar com o máximo dirigente da Igreja, entregando-se completamente à intuição divina. A carta chegou à Table Sagrada e foi levada à mesa de conferências, e lida na reunião por ordem do próprio papa.

O cardeal que a leu era João de São Paulo, homem de reconhecidas cristão que já tinha sentido o Cristo interno falar-lhe ao coração. Quando começou a leitura, os seus sentidos deram sinais de que concordava com aquele nem que escrevera, e a vontade de conhecê-lo subiu-lhe à mente e pensou:

"Esse homem é destemido e deve estar envolvido por sentimentos altamente superiores, pelo modo como fala neste pergaminho".

Os outros cardeais enfureceram-se com a petulância de Francisco. O próprio papa ficou calado, somente ouvindo as conjecturas dos seus assistentes. Um deles, por sinal o mais ignorante, deu a entender que o dono daquela missiva deveria parar nos tribunais pela sua audácia e atrevimento, podendo igualmente ser enquadrado como herege. E falou:

- O Santo Ofício foi feito para quê?

O Cardeal João defendeu as ideias de Francisco, mesmo sem conhecê-lo, com toda segurança, baseando-se no Evangelho do Divino Mestre, sem temer o ambiente em que se encontrava:

- Peço licença a Vossa Santidade, para dizer o que sinto há muito tempo, já que não devemos ter segredos uns com os outros, nesta casa de Deus. Também penso como esse homem que não conheço. Sinto que a Igreja Católica Apostólica Romana está tomando rumos que não os indicados por Nosso Senhor Jesus Cristo. Tudo que Ele ensinou e exemplificou na Sua divina missão, nós estamos fazendo ao contrário. Se pregamos, fazemo-lo somente para os outros, pois nós mesmos agimos diferente do que falamos. Penso ser isto hipocrisia da nossa parte. Quero que me respondais, por favor:

Se fosse Jesus quem estivesse à frente dos destinos da Igreja neste momento, Ele iria apoiar as Cruzadas? Ele iria abrir tribunais para sacrificar os hereges? Ele iria matar para defender algum Santo Sepulcro, como por exemplo, o de Moisés? Ele iria entesourar bens materiais como aconteceu conosco? Ele iria fazer construções suntuosas, como as que erguemos em todo o mundo? Ele iria dominar consciências como estamos fazendo, pressionando-as para nos seguir? E faria outras tantas coisas que não preciso mencionar, porque das citadas podereis deduzir as outras, com mais capacidade que eu, pois sois homens inteligentes, capazes de compreender o certo e o errado?

Rogo a Vossa Santidade que me perdoeis, se falei alguma coisa contrária as regras da Igreja, mas sinto vontade de falar a verdade, para que esta não me estrague as horas de repouso, através da minha consciência.

Acho que esse homem deve ser ouvido, e se Vossa Santidade o permitisse desejaria estar ao vosso lado, no dia em que se der esse encontro.

Quase todos se colocaram contra a opinião do Cardeal João e contra a ideia da entrevista de Inocêncio III com Francisco de Assis. A decisão final foi do próprio papa, que também a achou inconveniente, por ter outros trabalhos de maior interesse da Igreja. Um dos mais radicais redigiu uma resposta a Francisco informando a decisão de Sua Santidade, já que o Cardeal João de São Paulo' recusou-se a fazê-lo.

Francisco de Assis, que mandara buscar a resposta, a leu pausadamente sem mudar de feição, sem dar demonstração de constrangimento. Reuniu seus discípulos e passou a carta do papa para todos entenderem o que fazer: ir embora e trabalhar do modo que a inspiração dos Céus achasse conveniente. E partiram na manhã seguinte.


Do livro: FRANCISCO DE ASSIS - JOÃO NUNES MAIA (MIRAMEZ)

terça-feira, 5 de novembro de 2013

MENSAGEM DE JESUS PARA FRANCISCO DE ASSIS

Francisco!... Temer é cortar a comunicação com quem quer te ajudar. Duvidar é fazer crescer dentro de si os obstáculos. Sentir-se ofendido pela incompreensão dos outros, é sinal que não aprendeste a perdoar. Julgar os erros dos outros somente por julgar, é atestado de que o amor não se fez presente no teu coração. Eu sou aquele que haveria de voltar!... E volto quantas vezes forem necessárias, aos corações dos homens de boa vontade, desde quando abram as portas para que eu possa me fazer presente e dizer novamente: a Paz seja convosco!... Sê dócil, meu filho, aos teus irmãos!... Ajuda-os sem os violentar, e compreende, sem exagero, que o trabalho é demorado. Quantos milênios gastaste para principiar a sentir o bem, alimento do espírito? A ignorância pressionada torna-se prepotência desenfreada, e a falta maior será de quem se fez mestre, sem tolerância para ensinar. Eu ainda continuo crucificado no mundo. Tira-me da cruz! O prazer dos homens é ver-me sofrendo; já é tempo de mudança, e o começo é teu. Faze-te instrumento dessa paz, no seio dos homens!

JESUS DE NAZARETH

Do livro: FRANCISCO DE ASSIS - JOÃO NUNES MAIA (MIRAMEZ)
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terça-feira, 29 de outubro de 2013

DIÁLOGO COM O PAPA URBANO II

Cansado, estica-se em uma banqueta rente à cama em que o fardo físico descansava. Daí a pouco, observa uma estrela em formação na penumbra do quarto. Assusta-se e cai de joelhos, rezando sem cessar, esforçando-se para voltar ao corpo, sem o conseguir. A estrela, em estado crescente, avoluma-se, tomando forma de homem todo inundado de luz. O papa, tomando João por Cristo, beija o tapete chorando e pede sua proteção; sente que está na graça de Deus pela presença do Cristo no "Lar de Pedro". Quer beijar, pelo menos, as orlas das vestes celestiais, todavia, o Apóstolo do Amor não o consente, dizendo mansamente:

- Levanta-te! Também eu sou da Terra e vim ao teu encontro para que possas estender um pouco de paz à grande área da guerra que já lançaste. Não sou Jesus, mas enviado por Ele.

João Evangelista pairava ainda no ar e o Pontífice guerreiro recostou-se na banqueta de cedro do Líbano, para ouvir a mensagem do Mundo Maior, através da personificação do Amor na Terra.

Urbano, em espírito, chorando sem parar, enquanto o corpo estremecia nas luxuosas mantas de pelos de camelo, trava com João o seguinte diálogo:

- Mestre, vieste confirmar que sou teu discípulo, pelo que tenho feito em defesa do patrimônio da tua Igreja?

- Viemos verificar se ainda lhe resta no coração algum amor pela humanidade.

- Será que apareceste nesta memorável noite, para entregar ao teu único representante na Terra, os poderes indispensáveis para a tomada de Jerusalém, onde tudo nos pertence, por herança dos teus valores?

- Viemos para que os encarregados da Boa Nova do Reino se compadeçam dos sofredores, vistam os nus e dêem pão aos famintos. Se praticares os preceitos do Evangelho, terás muito mais do que Jerusalém, porque as virtudes concentradas no coração valem mais que o mundo inteiro.

Urbano II não sabia como portar-se diante do emissário de Jesus, estando sua mente completamente desequilibrada e o raciocínio parecendo que nunca funcionara. Seus atos eram como uma máquina, a seguir enfumaçados estatutos, velhas leis e ideias dos altos representantes da Igreja, que a razão recusaria. Com algum esforço, levantou-se diante de João Evangelista, limpou a velha garganta, acostumada a reproduzir as ameaças das sombras, prosseguindo:

- Digníssimo Senhor, perdoa-me se o ofendo com o que proponho, mas bem sabes que satanás está solto no mundo, com todo o seu rebanho de trevas, bem como não ignoras os destroços feitos por eles, mesmo no seio da Igreja de Deus, que nos foi entregue para o devido zelo. E, se ele abriu luta contra nós, temos de defender, não a nós, mas a Casa do Senhor que, parece-nos, está sendo invadida por malfeitores. Se não estivermos enganados, o diabo, sob a chefia de Maomé, atua através dos turcos, pela força de sua religião. A sutileza deles é tão grande, que intentam derrubar a nossa Santa Madre Igreja, através do túmulo do Senhor, em Jerusalém, É preciso então, ainda que contra a nossa vontade, que desembainhemos a nossa santa espada, e liquidemos o inimigo, porque violência só se combate com violência. Que achas do que falo?

Meio aturdido, torna a sentar-se preguiçosamente na suntuosa banqueta. O vidente de Pátmos, diante do Sumo Pontífice, com a serenidade que lhe era peculiar, fala brandamente, mesclando energia no seu verbo encantador:

- Urbano, meu filho! Não pretendemos fazer da Casa de Oração que Jesus inspira, um quartel. Não pretendemos transformar os fiéis, que alimentam as vidas com esperança e fé, em milicianos que usam da espada para matar. Não pretendemos usar o nosso verbo sagrado preparado para a difusão do Evangelho, para o comando de exércitos. A própria Igreja que diriges está farta de bens alheios, dos quais a vitória concede ao vencedor o direito do saque e da rapina. E para esse tipo de faltas nada iremos falar; deixemos que o faça o nosso irmão maior, Paulo de Tarso, em Atos dos Apóstolos, capítulo vinte, versículo trinta e três:

De ninguém cobiceis prata, nem ouro, nem veste.

Se cobiçar já constitui desvio da lei, quanto mais assaltar e saquear!... Se Satanás está solto no mundo e avança na direção da Igreja e dos fieis, qual o dever tua autoridade? Será copiar o que eles fazem, em plena inconsciência da vida? Não! Somente vencerás os inimigos com estratégia mais elevada, e para essas lutas, Cristo, o Comandante Maior, deu numerosos exemplos, quando a Sua doutrina atacada e quando Ele mesmo foi perseguido. Se tua memória não te favorece, recordemos o que Ele próprio falou a Pedro, frente ao servo do Sumo Sacerdote:

Embainha a tua espada, pois todos que lançam mão da espada sob a espada perecerão.
(Mateus, 26:52)

E ainda, apanha a orelha decepada, e a coloca no lugar. Esse gesto não é a completa desaprovação da violência nas hostes do cristianismo?

Se o Cristo fosse de violência, não precisaria d'Ele o mundo, pois ela já se encontra com abundância em toda a Terra. Ele é o Amor universal, pois essa virtude é qual gema preciosa nos riachos, em se falando da Terra. Defende a tua Igreja e o teu reino com amor, meu irmão. Defende-a de satanás - como dizes - com a caridade. Defende-te dos inimigos, se os tiveres, com o perdão. Cultiva todos os preceitos do Divino Mestre, que a vitória virá por acréscimo de misericórdia, e se Deus achar conveniente que os violentos fiquem com os bens terrenos, entrega-os com alegria e obediência, que os valores maiores são aqueles que a ferrugem não destrói, nem a traça corrói. O sentimento elevado do coração é patrimônio eterno, na eternidade da alma. Além de tudo isso, estás próximo a voltar para esta pátria, e é conveniente que te lembres do capítulo doze, versículo vinte, de Lucas, que assim preceitua:

Mas Deus lhe disse: Louco! Esta noite te pedirão a alma. E o que tens preparado, para quem será?

E no versículo vinte e um do mesmo capítulo, arremata com sabedoria:

Assim é o que entesoura para si mesmo, e não é rico para com Deus.

Para quem, meu filho, amontoaste tanta riqueza? Logo virás para cá, e nem mesmo o teu corpo de lama poderás trazer. Entregá-lo-á à terra, porque da terra ele procede. Ele é um empréstimo passageiro. Sabe o que te acompanhará para cá? Somente o bem ou o mal que tiveres feito, e receberás nas mesmas proporções que deste aos outros.

O sacerdote, com a boca semiaberta, mastigava o alimento divino, sem contudo sentir seu elevado sabor. João Evangelista dá tempo para que a massa doutrinária possa fermentar.

E o silêncio reina no ambiente!... Nisto, o chefe do cristianismo lembra-se de algo do Evangelho, e comenta meio inseguro:

- Amado Senhor, falaste que não vieste trazer a paz, mas a espada! Não sei como encontrar isso no Evangelho, mas sei que existe.

Pareceu bem seguro nessa investida, para confirmar seus atos trevosos na Terra. João perpassa nele os olhos calmos, como se estivesse abençoando uma criança, e assim dispõe suas ideias:

- O que acabas de dizer, meu filho, está em Mateus, capítulo dez, versículo trinta e quatro, assim transcrito nos moldes modernos:

Não penseis que vim trazer paz à Terra. Não vim trazer paz, mas espada.

Sei que não desconheceis os pais da Igreja, que suspenderam as colunas teológicas do apostolado romano, como Santo Agostinho, bispo de Hipona, nascido no século IV da era cristã, teólogo, filósofo, moralista e dialético. Homem que, àquela época, já sabia colocar em conexão, a inteligência e a fé. Ele repetiu muitas vezes qual era a espada que Jesus veio trazer para a luta no mundo, chegando ao ponto de ser colocado à margem dos valores reais da Igreja. E desconheces isso? Jesus veio trazer sim, a espada, mas a espada de Verdade, que corta mais de que todas as outras; a espada do Perdão, que vence mais que todas as armas; Veio trazer a espada do Amor, que domina muito mais do que os exércitos reunidos de todos os povos.

Urbano II abaixa a cabeça e não tem coragem de olhar mais para a cândida alma que dialoga com ele e que supunha ser o Cristo. Era consciente do que ouvira, pois tinha amplos conhecimentos dos tratados teológicos. Recomeça a chorar, reconhecendo sua inutilidade. Na verdade, com as Cruzadas ateara fogo nos lares cristãos, mas como apagar? E as labaredas cresciam como nunca... Queria morrer!...

- Eu quero morrer! Eu quero morrer! Sinto que Deus me chama... e debruça na banqueta, em pranto contínuo.

O Mestre de Éfeso articula docemente:

- Urbano, Deus te chama, na verdade, porém, te chama para viver, te chama para que faças alguma coisa, que possa aliviar os sofrimentos humanos, a fome, a peste, a nudez, os infortúnios ocultos, que devastam grande parte dos bairros de Roma. Eleva a tua Igreja acima das misérias humanas, consola e abençoa! Ajuda, serve e estende, Urbano, a fraternidade entre os corações, pois somos todos filhos de Deus e herdeiros do Cristo. Ele, na verdade, deixou à Igreja a posse dos bens imperecíveis da alma, para que ela pudesse repartir, sem estipular preço. Repartir sem trocas exageradas, sem permutas vergonhosas. Parece-nos que neles que julgas inimigos da Igreja e satanás tem mais respeito pelas coisas santas, porque desconhecem o que conheces. A iniquidade assola a humanidade, vergasta os povos em todas as direções, mas o pior é que essa iniquidade se enraíza em Roma, e, se não é muito dizer, na casa que dizes pertencer ao Apóstolo Pedro, a quem encontrei há pouco tempo falando aos muçulmanos, no plano espiritual, quando estavam em sono. Levanta, meu irmão, e vive! Vive para Deus, para a humanidade e para a tua Igreja, no bem absoluto, onde não existem fronteiras. Levanta, toma o teu fardo e anda! Começa a amar a Deus sobre todas as coisas - e pelo menos os que se aproximam de ti - como a ti mesmo. Esta é a lei e os profetas!

O Sumo Pontífice acorda do longo sono, assustado. Os olhos denunciam pranto ininterrupto, coisa difícil de notar na sua postura de homem guerreiro e espírito decidido. O sol já banhava Roma há várias horas.

O texto acima é um diálogo entre João, o Evangelista e o Papa Urbano II, em desdobramento durante o sono da noite, referente às Cruzadas que já haviam partido em direção ao Oriente.


Do livro: FRANCISCO DE ASSIS - JOÃO NUNES MAIA (MIRAMEZ)

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A INQUISIÇÃO NO BRASIL


Essa grande nação, marcada pelo Cruzeiro do Sul, simbolizando a redenção de um povo na sua feição de sensibilidade cristã, ouvirá o grito do Rei dos reis em seu berço esplêndido, como argumenta seu hino, para explodir em luzes na hora decisiva do concerto das nações. Categorizada pelo Cristo para ser a remanescente das nações e como a primeira em dar exemplo de fraternidade, abrirá seus vigorosos braços para acolher pessoas de todas as procedências - será a mãe e o pai a abrirem as portas para os filhos pródigos. A derradeira catástrofe de feição coletiva através de mudança de clima, de deslocamento das águas e de reforma dos homens respeitará, de certa forma, este país que nada tem a ver com as dívidas do velho mundo e que servirá de hospital para recolher aqueles enfermos que poderão se recuperar, pela altura de suas aspirações, pelo amadurecimento de suas qualidades. O Brasil vai amparar os que sobrarem das contorções geológicas, do difícil parto da Terra, do qual nascerá um sol que dissipará todas as trevas. O Brasil vai refletir a sua luz em todo o globo, porque aos outros deve todas as experiências que acumulou através dos séculos. Francisco de Assis e os seus colaboradores trabalham ativamente nos céus do Brasil, para que este cumpra o seu dever. Recorda o que o Mestre disse a João no Seu apostolado: "Importa que você fique até que eu volte."

O Cristo voltará para liberar as consciências ativamente preparadas para herdar o reino da Terra e viverem na plenitude do Amor.

A escravidão, no Brasil, foi a Inquisição já aliviada, que sobrou para a vigilância dessa nação, para que ela desse o exemplo de que todos têm o direito de liberdade, mostrando que todos somos filhos da mesma massa e herdeiros do mesmo Pai Celestial. O exemplo foi fecundo, pois muitos escravos, em cujo sangue e epiderme vinha a marca de sua procedência africana, uma vez livres, continuavam querendo ser escravos, por gostarem dos donos de engenho, porque mesmo nas senzalas eram bem tratados, o que dificilmente acontecia nos outros países. Muitos se sentiam felizes, mesmo quando experimentavam nos lombos ressequidos pelo sol, a tala de couro cm. Dentre eles havia muitos Espíritos que vieram do alto escalão terreno e que logo aprenderam a lição de humildade, no corpo de um preto velho ou de uma ama de leite.

Os homens falam muito em Deus. Habituaram-se a repetir o Seu nome em vão, sem, todavia, crerem verdadeiramente n'Ele. O Senhor, em Sua onisciência. Não esquematizaria a Terra, planejaria os fatos e estruturaria a evolução dos homens e das coisas, sem um objetivo maior. O cumprimento das profecias, em relação a Deus, é ilusão passageira, fogo fátuo de pouca importância. Todavia, para nós outros, o fim dos tempos nos perturba e comove, por termos de passar por provas que deverão atingir as últimas fibras do nosso equilíbrio. As palavras do Livro Santo assim se expressam: "Os justos viverão pela fé". Justos são aqueles que incrementam todos os dias os trabalhos de disciplina íntima, que estimulam a caridade e que exercitam o Amor, procurando universalizar os seus sentimentos. Nesse clima, a criatura sairá da opressão dos acontecimentos e, mesmo na Terra, respirará o ambiente do céu.

Bombas de hidrogênio e outros engenhos de guerra nada significam em se falando da lei e da vontade do Criador. O planeta continuará na sua órbita após os acontecimentos, mais serenado e evoluído, mais arejado e pacífico. O Brasil foi escolhido como terapia divina para os que sobreviverem à borrasca. O vendaval irá limpar as escórias humanas, para que o verdadeiro Amor encontre guarida nos corações que herdarem o mundo.

Porém, a premissa de que nada se perderá, tudo se transformará para melhor, é infalível.

O medo que avassala os homens é oriundo da ignorância da bondade e misericórdia da Suprema Inteligência.

Quando os desbravadores dos mares chegaram à Terra hoje conhecida como Brasil, Francisco de Assis já tinha vindo à frente, em companhia do Divino Mestre, o que foi constatado por certos índios dotados de vidência, que tiveram a graça de observar na primeira missa celebrada nas Terras de Santa Cruz, a presença de ambos. Certamente não viram somente os dois. Mestre e discípulo, mas uma falange de obreiros dirigidos por Jesus de Nazaré.

Estas terras estão marcadas para uma grande dinâmica espiritual, que vem se preparando pelos processos do tempo, e pelas mãos dos próprios homens, sob inspiração dos céus. Ninguém tira do destino deste país o que lhe foi dado pela vontade de Deus.

Estamos para chegar ao fechamento de um ciclo espiritual, onde se processará uma seleção rigorosa de almas, pela lei de justiça, senão de Amor, para que o Amor puro se converta em felicidade para os homens, que souberam viver e amar a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo.

Há, na pátria brasileira, regiões já em preparo, sem que os próprios dirigentes saibam da sua verdadeira finalidade. Essa vastidão de terras desabitadas recolherá, mercê de Deus, os desprovidos de pátria, remanescentes da revolução geológica e dos impositivos cármicos. O medo será o combustível para que eles se refugiem neste grande lar, que eles ajudarão a elevar no esplendor do concerto das nações. As suas experiências se confundirão com as já catalogadas na consciência deste povo ordeiro e benevolente.

As convulsões geológicas, as eclosões atômicas de águas e a transferência em massa dos homens, tudo, em comparação com a grandeza de Deus, é menor do que o despejar de um copo d'água sobre um viras.

Se pudesses observar, com nossa ótica, bilhões de vidas em plena batalha num pingo d'água... São processos evolutivos que obedecem a determinadas leis universais, feitas pela Inteligência Maior, soberana do Universo.

Brasil, és tu o esplendor de todas as esperanças! Que Deus te abençoe hoje e eternamente!


Confiemos, que ninguém se perderá no grande rebanho entregue ao Cristo. Ele está no leme dos nossos destinos!

Do livro: FRANCISCO DE ASSIS - JOÃO NUNES MAIA (MIRAMEZ)

terça-feira, 24 de setembro de 2013

ESPIRITISMO NÃO É RELIGIÃO, MAS SIM DOUTRINA.

Por falta de acesso a informações no âmbito social, político e histórico do período da entrada dos conceitos espíritas no Brasil, no início do século XIX, e por aceitação de obras psicografadas diversas, sem a devida crítica e submissão ao método do controle universal elaborado por Kardec, uma  parte considerável da comunidade espírita foi formando e assumindo paulatinamente o conceito de 'religião espírita', sem nem mesmo entender os motivos extra doutrinários que levaram a isso.
Começamos esse nosso pequeno artigo destacando um pequeno trecho de O Que é o Espiritismo, elaborado por Allan Kardec, quando o mesmo tece comentários sobre o 'Terceiro Diálogo - O Padre': "O Espiritismo era apenas uma simples doutrina filosófica; foi a Igreja quem lhe deu maiores proporções, apresentando-o como inimigo formidável; foi ela, enfim, quem o proclamou nova religião. Foi um passo errado, mas a paixão não raciocina melhor.".

Observando-se o parágrafo acima, claramente percebemos que Kardec nunca tinha visto, até então, o Espiritismo como uma religião. Tal conceito ou atributo lançado à doutrina codificada por Kardec foi, segundo seu entendimento, proposta por seguidores de outras religiões, sendo os católicos os mais interessados naquele momento devido ao seu número de adeptos, que legitimava uma grande influência social e política. Por motivos óbvios tal poder justificava o interesse em denegrir a imagem dessa nova doutrina, comparando-a com seus próprios preceitos, sobretudo quando se tratava da figura de Jesus. Sendo a religião católica a que por 'direito' poderia se intitular como cristã, fazia-se mister 'elevar' o Espiritismo ao patamar de religião para justificar ao mundo sua postura não simplesmente herege, mas sim blasfema, por se intitular como religião cristã.
Ainda no Terceiro Diálogo, inquirido sobre as questões dogmáticas inerentes à todas as religiões, Kardec apresenta mais detalhes sobre os fundamentos da doutrina espírita, em que ela realmente se pauta, concluindo, sem rodeios, sobre o seu verdadeiro caráter: "O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciência, não cogita de questões dogmáticas. Esta ciência tem consequências morais como todas as ciências filosóficas"
    (...)
    "Mais bem observado depois que se vulgarizou, o Espiritismo vem derramar luz sobre grande número de questões, até hoje insolúveis ou mal compreendidas. Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência e não de uma religião".
    (...)
    "Que prova tudo isto? Que não somos ateus, o que não quer dizer que sejamos professos de religião reformada."
    (...)
    "Eis por que, sem ser uma religião, o Espiritismo se prende essencialmente às ideias religiosas, desenvolve-as naqueles que não as possuem, fortifica-as nos que as têm incertas."
Interessante observar que a FEB, em nota de rodapé à antepenúltima citação acima de Kardec, sugere a leitura da revista Reformador de 1949, pág. 217. Nesse exemplar da referida revista, há comentários que levam a uma certa confusão na aplicação da palavra religião ao Espiritismo, sugerindo uma correlação direta entre ambos.
O parágrafo abaixo se encontra em O Evangelho Segundo o Espiritismo e, mais uma vez, deixa clara a opinião de Kardec sobre o tema: "O Espiritismo é uma opinião, uma crença; fosse até uma religião, por que se não teria a liberdade de se dizer espírita, como se tem a de se dizer católico, protestante, ou judeu, adepto de tal ou qual doutrina filosófica, de tal ou qual sistema econômico?"
Tal passagem possui a mesma nota da FEB sobre a Revista Reformador, sendo que sua tradução também não foi muito feliz com relação à segunda oração. O original em francês "fût-il même une religion (...)" apresenta o advérbio 'mesmo' que não foi trazido para a versão em português, e que tornaria a frase assinalada muito mais inteligível ao leitor, caso fosse escrita como "fosse mesmo uma religião (...)", ou também "ainda que fosse uma religião (...)". Não há justificativa para a omissão do advérbio por parte do tradutor no caso acima, a menos que houvesse uma necessidade premente que o impulsionasse para isso, tal como o interesse em adequar a tradução ao conteúdo da Revista Reformador já citada, buscando uma coerência, ou por outra questão de ordem talvez até mais profunda, a sobrevivência, como sugere o texto a seguir.
Porque mudar a visão de doutrina para religião?
Mas porque esse interesse tão intenso de mudar a visão de doutrina para religião, destruindo a ideia original de Kardec?
O que ocorre é que, no início do século passado, havia muita perseguição às casas espíritas, por conta do Código Civil vigente, que proibia a manifestação de sessões com características de bruxaria, de maravilhoso, de ilusão. Como os grupos espíritas exerciam trabalhos mediúnicos, esses eram vistos com maus olhos pelas autoridades, sobretudo aquelas sob forte influência católica.
Pessoas da alta sociedade e influentes que estudavam e acreditavam no Espiritismo, tentaram mudar o Código Civil para que as casas espíritas não sofressem mais represálias, contudo não obtiveram êxito. Algumas dessas pessoas faziam inclusive parte da FEB. Uma vez derrotadas, elas decidiram legitimar o funcionamento das instituições espíritas através de prerrogativas descritas na Constituição Federal, já que o Código Civil não poderia ir de encontro a ela. Para tanto, bastava que se olhasse para o Espiritismo não mais como doutrina, mas sim como uma religião, pois era (e é até hoje) garantido a todo cidadão brasileiro o direito de crer e vivenciar a religião de seu interesse.
Leia um trecho da tese de doutorado da Dra. Raquel Marta da Silva (também disponível nesse site): "Buscando novos discursos, os representantes espíritas perceberam que, a partir desse Código, ficava explícito uma incompatibilidade entre a condenação ao ‘espiritismo' e a promoção da liberdade de consciência e de crença que faziam parte da plataforma republicana que constavam do projeto de Constituição então em avaliação. Segundo Giumbelli, foi a partir dessa argumentação que o movimento trilhou outro percurso para atingir sua legitimidade. Ou seja, os espíritas perceberam que esse caminho devia ser traçado a partir da sustentação da tese de que, acima de tudo, o espiritismo se caracterizava pelo seu aspecto doutrinário. Portanto, tratava-se de mostrar que o Código Penal, ao perseguir seus fiéis, estava não só sendo incoerente com a proposta da Constituição que seria promulgada em 1891, como também, estaria desrespeitando o direito e a liberdade dos cidadãos brasileiros em escolherem e praticarem suas crenças religiosas. Enfim, a reivindicação do caráter ‘religioso' da ‘doutrina espírita' representava a escolha de uma via de legitimação bem fundada. Isto é, não se tratava apenas de uma forma possível de definir um conjunto de concepções e práticas oportunizadas pelo seu sistema conceitual, mas de uma interpretação que poderia ser aceita por aqueles a quem cabia julgá-las.".
Com essa nova iniciativa, ainda que sendo vez ou outra alvo de ataques, os grupos espíritas daquela época passaram a conquistar seu espaço. Foi uma grande conquista, apesar do caminho não muito coerente de renunciar a sua origem e verdadeira pureza filosófico-científica. Essa medida iniciou uma grande confusão que vemos nos dias de hoje quando se fala no 'aspecto tríplice' da Doutrina Espírita, que, de fato, não existe. Acreditamos que tal ação equivocada foi antes inocente, que intencional.
Cabe aqui ressaltar um segundo fato histórico: os grupos de umbanda, que naquele momento passavam pelos mesmos problemas que o dos espíritas, sendo perseguidos até mesmo de forma mais ostensiva, aproveitaram o 'gancho' iniciado pela FEB e passaram a se identificar como grupos espíritas, terreiros espíritas, etc., apresentando-se como uma espécie de ramificação da 'religião espírita'. Conseguiram, assim, manter suas reuniões, apesar de não possuírem qualquer ligação com o Espiritismo. É por esse motivo que, até hoje, os frequentadores de tais grupos religiosos identificam-se como espíritas, embora o seu sentido não tenha qualquer ligação com o sentido original criado por Kardec.
Importa notar, baseado nos comentários acima citados, que a ideia de Espiritismo religião somente veio à luz no Brasil, durante o período acima, mas principalmente por questões políticas e jurídicas! Até então, não se fazia alusão a esta ideia, mesmo porque o próprio codificador a refutava textualmente, como fica claro nos textos acima citados, bem como na "Revista Espírita" de dezembro de 1868, no texto intitulado "O espiritismo é uma religião?": "O espiritismo, não tendo nenhum dos caracteres duma religião, na acepção usual da palavra, não se poderia, nem deveria ornar-se de um título sobre o valor do qual, inevitavelmente, seria desprezado; eis porque ele se diz simplesmente: doutrina filosófica e moral".
Diferença entre Espiritismo e movimento espírita
Apesar de tudo o que escrevemos acima, como doutrina filosófica, podemos considerar a possibilidade de o Espiritismo originar grupos de estudos com pensamentos e ações distintos, que vão variar seus comportamentos, conceitos e aceitações de acordo com os costumes, o ambiente, o foco das pesquisas, etc. Nesse aspecto, podemos ver surgir uma silhueta de religião a se formar instintivamente nas mentes das pessoas, já que qualquer religião demanda a existência de uma doutrina filosófica.
O inverso, contudo, não é verdade, isto é, nem toda doutrina filosófica possui estrutura para se edificar uma religião. O Espiritismo, por força das consequências morais que dele decorrem, possui uma base de conhecimento suscetível de dar ensejo a alguma religião. Esse talvez seja o agente que mais traz confusão nas mentes das pessoas, pois é da natureza humana querer sempre concluir algum pensamento. Mas não é porque o Espiritismo pode proporcionar o nascimento de uma religião através de sua filosofia, que ele será a religião em si. A música dos indígenas ou dos terreiros, por exemplo, possuem estruturas que possibilitam uma melhor concentração e, assim, facilitam a comunicação mediúnica, mas a música não é a comunicação mediúnica.
Acreditamos que textos de livros como "Brasil, coração do mundo, Pátria do Evangelho", por serem por demais saudosistas, enaltecendo o posicionamento religioso das pessoas, acentuam a fragilidade destas para a percepção dos conceitos originais trazidos por Kardec sobre esse tema.
Esclarecendo um pouco mais, apreciemos outro texto de Kardec, ainda na "Revista Espírita" de dezembro de 1868: "o laço estabelecido por uma religião é um laço essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos, [...]. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, [...] a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas. [...] Se assim é, perguntarão então o espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida, senhores; no sentido filosófico, o espiritismo é uma religião".
Ora, considerando-se apenas o aspecto filosófico, religião e Espiritismo se confundem, pois ambos, como diz Kardec, estabelecem um laço moral entre seus participantes. Mas religião e Espiritismo não são somente filosofia. Eles possuem outras características que os tornam diametralmente distintos, ainda que possuam este ponto de contato. Podemos citar, por exemplo, os dogmas, no primeiro caso e a ciência, no segundo. Comparando com o comentário anterior, a música e a comunicação mediúnica se confundem no quesito concentração, pois precisam que este exista, porém guardam a sua individualidade nos demais aspectos.
Isso fica patente quando vemos, ainda no trecho de O Que é o Espiritismo, a seguinte citação de Kardec: "A religião encontra, pois, um apoio nele*, não para as pessoas de vistas estreitas, que a veem integralmente na doutrina do fogo eterno, na letra mais que no espírito, mas para aqueles que a veem segundo a grandeza e a majestade de Deus."  * (no Espiritismo).
Observe que Kardec faz questão de anunciar que um e outro são coisas distintas, mas que a religião pode ter, no Espiritismo, o apoio para a consolação.
Ou seja, a religião precisa do Espiritismo, mas o contrário não é verdade. Muitos de nós esquecemos disso e o que temos feito desde o século passado é conceituar a Doutrina Espírita com as nossas próprias características sócio filosóficas humanas. Quem é religioso é o movimento espírita, e não o Espiritismo.

BIBLIOGRAFIA

Dicionário das Religiões. São Paulo, Martins Fontes, 1994.
Enciclopédia Combi Visual Enciclopédia Einaudi. Lisboa, Imprensa Nacional, 1985-1991.
IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo, Edições Paulinas, 1983.

MENDONÇA, E. P. O Socratismo Cristão e as Origens da Metafísica Moderna. São Paulo, Convívio, 1975.
SANTOS, José L. Espiritismo: uma religião brasileira. São Paulo: Moderna, 1997.

SILVA, Raquel. M. Chico Xavier: imaginário e representações simbólicas no interior das Gerais. Uberlândia: UFU, 2002. (Dissertação de Mestrado).
STOLL, Sandra J. Entre dois mundos: o espiritismo da França e no Brasil. São Paulo: USP, 1999. (Tese de Doutorado).
SILVA, Raquel Marta da - A construção do imaginário espírita brasileiro (Tese de Doutorado)



domingo, 18 de agosto de 2013

ENFIM, CUMPRI!


Enfim cumpri mais ou menos nos conformes, mas fiz o que devia. Não foi fácil. Um dia amaldiçoando o dia em que nasci e no outro, o dia em que casei alternados a dias de bonança. E acredito que seja assim para muita gente, todos aqueles que assumem e cumprem os compromissos e as obrigações que criar uma família comporta. Depois dos ...entas anos de casamento, vem a calmaria. A coisa se aquieta e a gente vai observar os filhos e se pergunta: - Será que eles vão conseguir? Conseguiram casar e vieram os netos e o resto vem depois e esta é a parte mais difícil, criá-los. Um dia após o outro, segurando tudo e todos, e ainda aguentando os desafetos da outra metade, envolvida com os mesmos problemas. 

Nem todos conseguem, por quê? Porque os laços são menos fortes, e suas causas são postas no passado. Há pessoas que um dia tiveram histórias, que as levaram uma a ser dependente da outra. Uma criando obrigações com a outra, que no futuro hão de se encontrar novamente para acertar as suas diferenças, que durarão mais ou menos, conforme as suas origens. Estas situações são até, muitas vezes, precedentemente formadas no astral, antes de voltar a reencarnar. Nada haver com o padre, pois não é fácil e não é sempre igual, mas é extremamente positivo poder, ao final, dizer: - consegui. E acima de tudo porque, conseguindo, não deverá se voltar a fazer tudo novamente, e novamente... Porque é isso que acontece quando não se cumpre com estas obrigações, precedentemente marcadas. 

Do Livro: O EVANGELHO SEGUNDO A LITÁURICA

sábado, 17 de agosto de 2013

CHEGANDO AO FIM

Quando a vida chega ao fim, quantos são os que, voltando-se para trás e olhando a vida que passou, podem dizer que valeu a pena? Quantos são os que se preocuparam mais em fazer da vida uma boa obra ao invés de uma boa vida? E quantos são os que já em vida desperdiçam o seu tempo atrás das fantasias, da futilidade e do imediato que não leva a nada? Cada um na vida deve preocupar-se em cumprir a parte que lhe toca no progresso na sociedade. De início, cada jovem deve preocupar-se em estudar e qualificar-se para ganhar a sua vida, e cumprir depois as suas responsabilidades na vida. Estas se lhe evidenciarão no momento certo, podendo ser com a família, pais, irmãos, ou com a sua própria família, ao criar os filhos ou em outros compromissos sociais.

Estas situações são muitíssimo variadas. E cada caso é um caso, mas todas as escolhas deverão ser objetivadas ao compromisso evidente ou ao chamado social. Não fazendo assim, dificilmente, chegando depois ao final da vida e olhando para trás, poderá dizer e sentir que valeu a pena. Vale a pena viver uma vida de resgate quando atrelada a uma doença ou uma deficiência, bem como pôr-se ao serviço da sociedade com uma brilhante inteligência. Os resultados são os mesmos quando comportam valores espirituais reais, que valerão depois da vida. Uma vida de resgate, lutando com a dificuldade, certamente irá trazer os seus valores espirituais, valores que não se depositam em banco, mas que também não serão inflacionados e farão crescer o espírito. Mas os valores de que falo são os lutados, tentando superar o problema e não adaptar-se a ele. 

Do Livro: O EVANGELHO SEGUNDO A LITÁURICA