E,
como se não bastasse, foram os papas que ordenaram as Cruzadas e,
posteriormente, a colonização das "terras novas" e os massacres que
se sucederam.
Mas
vejamos em ordem. Primeiro, foram as tentativas de invadir a Palestina, o
Líbano e a Síria, com o pretexto de libertar o Santo Sepulcro. Em Storici
arabi alle crociate, Gabrieli reúne os testemunhos de vários cronistas
medievais no Oriente Médio. Por meio dessas declarações, pudemos saber que, até
depois da metade do século XII, ou seja, antes do começo das invasões dos
franco-cruzados, milhares de cristãos visitavam livremente a Palestina e todos
os lugares onde Jesus Cristo vivera e pregara. As Cruzadas foram um projeto
criminoso em todos os aspectos, e, mal nos questionamos sobre a sucessão de
fatos que levaram à Terra Santa turbas desenfreadas aos gritos de "Assim
quer Deus!", finalmente vemos aflorar a real motivação da campanha que
levou São Francisco a tal indignação a ponto de exclamar: "Vim converter
os infiéis e descobri que os que precisam de fé e noção de piedade não são os
guerreiros muçulmanos, mas os soldados de Cristo e, antes de mais nada, os
bispos que os conduzem!". Além do mais, os "exércitos de
Deus" talvez tenham matado mais cristãos do que infiéis. Os exércitos
cristãos que se dirigiam à Palestina tinham um longo caminho a percorrer, sem
provisões ou acampamentos organizados. Portanto, tinham como costume obter o
que precisavam saqueando as cidades cristãs pelas quais passavam durante a
viagem. Por exemplo, a famosa "Cruzada dos Mendigos", em 1096, que
causou o massacre de quatro mil pessoas apenas na cidade húngara de Zemun.
No
mesmo ano, o contingente guiado pelo nobre alemão Gottschalck trucidou mais de
dez mil pessoas culpadas de terem-se deixado dominar pelos saques. Alguns
homens partiram para as Cruzadas seguindo os passos de um pato! Estes devotos
acabaram se unindo a uma Cruzada guiada por um ilustre salteador chamado Emich,
que nunca chegou à Terra Santa, limitando-se a um tour durante o qual
massacrou milhares de judeus, espoliando-os de seus bens.
Mas
outros cruzados, que participaram de expedições seguintes, também decidiram se
preparar para a guerra contra os infiéis muçulmanos começando a massacrar
infiéis judeus desarmados. Em 1212, trinta mil meninos da Europa Central
partiram para as Cruzadas sozinhos e sem armas. A maior parte desse "exército"
embarcou em Marselha acreditando partir para libertar o Santo Sepulcro. Em vez
disso, os garotos (pelo menos os que sobreviveram aos contratempos da viagem)
foram vendidos aos turcos como escravos.
A
Quarta Cruzada, realizada em 1202, operou uma pequena devastação e, em vez de
ir até a Terra Santa, tomou de assalto a perfeitamente cristã Constantinopla,
conquistada por meio de saques e do massacre da população. No final das contas,
quem ganhou com as Cruzadas, com certeza, não foram os soldados e seus
capitães, e sim os mercadores das Repúblicas Marítimas italianas e a Igreja de
Roma.
A
volta das Cruzadas também foi uma aventura trágica. Os cruzados muitas vezes
tinham que entregar aos transportadores todo o fruto de seus saques e roubos.
Sabe-se,
também, que os cruzados, até pela forma como eram recrutados, não eram
brilhantes em termos de disciplina e organização. Seus acampamentos eram
erguidos sem nenhum cuidado estrutural. Em poucas palavras, eles não tinham
áreas de higiene, não existiam enfermarias nem médicos organizados, e a cada
chuva as barracas eram inevitavelmente carregadas pelas águas misturadas à
urina e ao estéreo. Resumindo: Deus não estava com eles e os castigou matando
vários de cólera, infecção gastrointestinal e doenças venéreas locais e
exóticas. A propósito, não podemos esquecer a grande quantidade de prostitutas
que seguiam o exército. A isso acrescentemos o fato de que os cruzados não
costumavam tomar mais do que dois banhos por ano e muitos fizeram a promessa de
não tomar banho até a libertação do Santo Sepulcro.
Ignorando
as leis alimentares dos povos que já viviam há anos naquele clima, enchiam-se
de carnes de porco assada ou salgada e se embebedavam da manhã até a noite. O
resultado foi que, às epidemias normais em voga, acrescentaram-se outras ainda
mais devastadoras. Além disso, como já lembramos, os pobres coitados eram
tratados por médicos e cirurgiões cuja ignorância só se igualava a seu
fanatismo. O resultado era que ser ferido em batalha ou contrair uma doença grave
garantia, depois do tratamento médico, a certeza da morte inevitável.
Sobre
esse assunto, transcrevemos o comentário de um médico oriental cristão durante
a consulta de um cavaleiro ferido e de uma mulher doente:
...Apresentaram-me
um cavaleiro que tinha um abscesso em uma perna e uma dona aflita pelo
definhamento. Fiz um emplastro no cavaleiro, e o abscesso abriu e
melhorou; prescrevi uma dieta para a mulher, com pouco tempero. Quando eis que
chegou um médico franco, que disse: "Esse aí não sabe curar ninguém".
E, dirigindo-se ao cavaleiro, perguntou: "O que prefere, viver com uma só
perna ou morrer com duas pernas?" Tendo este respondido que preferia viver
com uma só perna, ordenou: "Tragam-me um cavaleiro corajoso e um machado afiado".
Chegaram o cavaleiro e o machado, e eu estava ali presente. O médico colocou a
perna sobre um pedaço de madeira e disse ao cavaleiro: "Desça-lhe uma
machadada, para cortar de pronto!" E, diante de meus olhos, deu a primeira
machadada e, não conseguindo arrancar a perna, deu a segunda; a medula da perna
jorrou e o paciente morreu na hora. Após examinar a mulher, ele disse:
"Essa aí tem o demônio na cabeça, apaixonado por ela. Cortem-lhe os
cabelos". Foram cortados, e ela voltou a comer o alimento deles, com alho
e mostarda, e o definhamento aumentou. "O diabo entrou na cabeça
dela", sentenciou ele, e pegou a navalha e abriu a cabeça dela em forma de
cruz, extirpando o cérebro até aparecer o osso da cabeça, no qual esfregou
sal... e a mulher morreu na mesma hora. Naquele momento, perguntei: "Ainda
precisam de mim?" Responderam que não e fui embora, depois de aprender o
que ignorava da medicina deles.
Acrescente-se
a isso o fato de que muitos cruzados eram aventureiros dispostos a entregar
armas e provisões ao inimigo em troca de dinheiro, a vender a mulher para pagar
dívidas de jogo, a trucidar companheiros para derrubá-los. Muitos foram
obrigados a partir para a Palestina, mais do que por um rompante de fé, pela
lâmina que pendia sobre suas cabeças junto com uma sentença de enforcamento.
E
as suas não eram cabeças quaisquer. Muitas vezes, tratava-se de nobres falidos
e ambiciosos que tinham como único objetivo a riqueza pessoal e que não se
detinham diante a nenhuma torpeza desde que concretizassem seus intentos.
Viram-se batalhas entre exércitos de cruzados rivais pela posse de uma cidade,
alianças entre príncipes cristãos e emires turcos. Muitos nobres cruzados
permitiram que seus companheiros de armas fossem trucidados sem levantar um
dedo, por questões de rivalidade.
O
modelo das cruzadas tinha feito escola. E, assim, quando o papa Inocêncio III
decidiu deter a heresia catara e valdense, decretou em 1209 uma verdadeira
cruzada no sul da França, que duraram vinte anos e massacrou dezenas de
milhares de pessoas. Os cátaros eram culpados de propagar uma vida comunitária
pacífica e solidária, respeitando os ensinamentos de Jesus e recusando-se a
reconhecer "o poder por vontade de Deus" da Igreja. O pontificado de
Inocêncio III marca também o auge do poder temporal do papado. O papa passava a
ser um soberano para todos os efeitos, e o Estado da Igreja torna-se uma
verdadeira potência europeia. Como todos os soberanos, o bispo de Roma possuía
territórios e exércitos, declarava guerra e realizava alianças. Vários reinos
se reconheciam como vassalos da Santa Sé e pagavam conspícuos tributos a Roma.
Além disso, o papa utilizava o próprio poder espiritual
para orientar a política dos Estados a ele alinhados. Se um rei era
excomungado, perdia automaticamente o direito de cobrar obediência dos súditos e
vassalos. Pode-se concluir, assim, que os soberanos cristãos pensavam duas
vezes antes de pisar no pé da Santa Sé. Em suma, o papado acolheu por completo
a herança criminosa do Império Romano. Houve até um papa, Júlio II, que
encomendou uma armadura para conduzir seus próprios exércitos nas batalhas.
Texto extraído do livro: O livro negro do cristianismo - Dois mil anos de crimes em nome de Deus - Jacopo Fo, Sérgio Tomat, Laura Malucelli
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