Antes de tudo devo dizer que o nível que fazem ocupar aos apóstolos, com completa falta de lógica, é muito superior ao nosso valor real, pois nunca nos elevamos além da nossa condição de pobres pescadores, se bem que, em verdade, depois da morte do Mestre e uma vez desaparecido o terror que nos havia invadido, nossas forças e nossas aptidões foram multiplicadas a ponto de não parecer já os mesmos homens, porém sempre guardando as lógicas proporções, já que uma quantidade muito pequena pode ser centuplicada, sem chegar a ser muito grande.
Quanto a Jesus, que tantos esforços faz em sua história ditada por ele mesmo, para desvirtuar os fatos milagreiros que se lhe atribuem, mais que ninguém foi dotado dos dons medianímico. Disse já que era um ser superior, sob todas as formas, conhecedor profundo dos homens, com tal penetração neles, que seus pensamentos ficavam desnudos ante a ele, como escritos em um livro aberto. Não deveis, portanto duvidar, repito-vos, de que muito do acontecido com o Messias e depois do seu desaparecimento material não passa de fanáticos acréscimos.
Sua penetração fez-lhe compreender imediatamente o verdadeiro estado social e religioso dos hebreus que não podiam ser separados de seus velhos ritos e fórmulas, sendo indispensável, para obter alguma cousa, abordar as questões religiosas e tradicionais sem opor-se-lhes verdadeiramente, mas tirando partido de toda a passagem ambígua da Bíblia, de toda a aparente contradição e de tudo aquilo que tivesse um significado para o porvir, isto é, de cuja solução ou cumprimento parecesse dever-se esperar por outra época. Por isso, sem dúvida, tinha dito aquilo, de que ele não tinha vindo para derrogar a lei senão para confirmá-la. Se assim não houvesse procedido, as desconfianças teriam aumentado contra ele e mais difícil lhe teria resultado o prestigiar sua pessoa e seus ensinamentos, pois apesar disso e de sua habilidade em servir-se das sagradas Escrituras para inculcar as novas doutrinas, as quais, finalmente, encerravam um espírito por completo contraposto ao verdadeiro Judaísmo, somente transitoriamente logrou o favor das maiorias, equilibrando-se apenas, geralmente, o número dos que o seguiam com o dos que o combatiam. Estes, entretanto, reconhecendo sua superioridade, nunca o enfrentavam, senão que lhe moviam guerras nas sombras e quando se colocavam em sua presença se limitavam a dificultar-lhe sua exposição com interrupções ou procuravam atrapalhá-lo com sofismas e com perguntas capciosas. Porém o Senhor com sua admirável presença de espírito, encontrava sempre e imediatamente a resposta oportuna.
...certamente não ressuscitou ninguém, porque, a de Lázaro é uma fantasia, assim como outros casos, se foi certo o do falecimento, nada houve que se parecesse com ressureição...
O que, em compensação, não pode negar-se, é o extraordinariamente benéfico ambiente fluídico que dele se desprendia. Não é exagerado dizer que os desgraçados que a ele se aproximavam, somente por isso sentiam alívio e tranquilidade em seus espíritos. Igualmente a respeito das enfermidades, era de grande eficácia seu método mental de cura. Porém valia-se muito também do que os magnetizadores chamam imposições, sem desprezar tampouco o emprego dos vegetais que seus conhecimentos médicos, adquiridos durante a época de seus estudos em Jerusalém, lhe indicavam. Muitos foram os casos de curas repentinas, consideradas como milagrosas pelo vulgo, a ponto de afirmar-se que alguns enfermos colocados no caminho por onde ele devia passar e que tocaram suas vestes, ficaram imediatamente curados. Vós sabeis perfeitamente que isto é possível sem ter que recorrer aos milagres; porém, em verdade, não vi produzir-se o fato à passagem do Messias, senão que isto demonstra a fé que se havia generalizado a respeito do dom de milagres que lhe reconheciam como Filho de Deus que era,tal como o próprio São João, que chamais o Batista, o confirmara.
Morreu, pois, Jesus fecundando com o seu próprio sangue a grandeza de seus ensinamentos, os quais levavam a mais, o maior cunho de garantia, de sinceridade e de verdade, isto é, precisamente a morte de seu fundador, voluntariamente, sacrificado em penhor da pureza e elevação de suas intenções, e apesar de tudo isto, se o Senhor, desde o espaço, não tivesse encontrado em Paulo um médium que estava apropriado para continuar a sua obra, depois de morto, ela teria talvez parecido afogada na Judéia entre as estreitezas do espírito hebreu, para o qual a amplitude de vistas, o altruísmo, a universalidade de tendências do verdadeiro cristianismo de Jesus, constituíam uma imensidade incomparável e inabordável.
Constituímos, enfim, uma nova seita hebreia, com certas particularidades que nos davam personalidade própria, como a tendência para o celibato, o pouco apego aos laços da família, a crença que Jesus era o Messias prometido... os propósitos de pobreza, a prática frequente da Santa Ceia, que depois se transformou nisso tão estranho e tão absurdo que chamaram a comunhão, na qual se viria a comer a carne, ou, melhor dito, o corpo e a pessoa de Jesus.
“Se este sentimento para com vosso Messias não diminuir entre vós, nada haverá que possa separar-nos porque continuareis sendo minha própria carne, meu próprio sangue e minha própria alma”.
Repartiu o Mestre o pão entre todos como era costume e fez que todos bebessem de um mesmo copo, querendo significar a estreita união que ficava estabelecida entre nós e entre ele e nós, repetindo as palavras... “E sereis assim minha carne, meu sangue e minha alma, pois convosco estarei permanentemente unido e com os que a vós tão estreitamente se liguem que formem um mesmo corpo e um mesmo sangue, pois é o amor dos que seguem minha palavra e se ligam à minha obra, o que me dá forças nestes momentose o que sempre mais dará porque isto é meu corpo e meu sangue e o que não comer e beber deles não verá o reino dos céus.” “Grato me será, portanto, toda vez que repetirdes esta ceia em meu nome, e eu ocuparei em todas as ocasiões este meu mesmo lugar no meio de vós e ainda que vosso olhos não me vejam, me pressentirão vossos espíritos.”
O que aí fica constitui a síntese e o essencial do que o Senhor dissera nessa noite e a ninguém ocorreu, o mais remotamente, o significado tão estranho que se lhe veio a dar com a instituição da eucaristia, que viria representar o fato material de tragar a carne e o sangue de nosso Senhor, representados pela hóstia e pelo vinho. Não tenho a menor ideia de criticar uma fórmula do culto católico à qual se dá muita importância; digo unicamente que o Senhor não a instituiu, porque esta é a verdade.
Assim, essa concepção dos chamados mistérios, como o da Trindade e o que pela transubstanciação converte o pão em corpo, sangue e alma de nosso Senhor Jesus Cristo, nunca puderam encontrar cabida em nossos cérebros, muito pouco fecundos certamente. Jamais, em verdade, nos ocupamos disto, sendo tudo de ordem muito mais recente.
Nós éramos simples e sinceros e nosso Senhor, por sua parte, sempre se esforçou por simplificar os assuntos de que devia tratar; portanto, essas intricadas questões do dogma e do mistério que tanto complicam no Catolicismo a ideia religiosa, não podem ter sua origem nem nos ensinamentos de Jesus, nem nos de seus apóstolos, os quais tudo, no Cristianismo, o fizeram por motivo de sentimento, primando em absoluto a linguagem do coração. “Ama a Deus sobre todas as cousas e a teu próximo como a ti mesmo.” Em geral nos consideravam como uma associação piedosa, uma nova seita hebreia de rezadores e penitentes, por isso que nossa propaganda foi abrindo caminho em toda a Judéia, outras povoações e cidades das regiões limítrofes não tardando em falar-se do Cristianismo, nome que pouco a pouco foi prevalecendo, até na Grécia e em Roma. Isto, mais que a tudo, justo é dizer-se, a Paulo foi devido, que, compreendo agora, era o mais bem inspirado, o melhor médium, direis vós, do Senhor, entretanto sempre o tratamos com algum receio, apesar de não admiti-lo jamais como formando parte do círculo dos apóstolos, por motivo, dizíamos, que ele nunca tinha ouvido a voz do Senhor nem participado de sua vida. Barnabé, que substituiu a Judas, tinha ouvido a palavra do Senhor e adepto tinha se demonstrado de antemão, o que não havia acontecido com Paulo, o qual, ao contrário, tinha-se iniciado como inimigo de Jesus e de seus seguidores.
Apóstolo, disse eu, porque bem depressa compreendi, depois de minha morte, que o era mais que nós, porque foi ele quem salvou o Cristianismo do estacionamento de que estava ameaçado na Judéia... Eu mesmo, acompanhado principalmente por Tiago, sustentei a princípio essa tese e quando Paulo, que vinha predicando o contrário, foi a Jerusalém para discutir este ponto comigo e com Tiago, logrando convencer-nos, tão depressa saiu de Jerusalém, os outros, fundamentados em minhas manifestações anteriores, convenceram-me novamente do contrário, fazendo manifestação pública neste sentido, repetidas vezes durante a Santa Ceia, em Jerusalém e depois em Alexandria. Isto, soube-o Paulo, porque havia ali alguns incircuncisos que tinham sido por ele próprio introduzidos, com escândalo, verdadeiramente, para os nossos. Então, sem perda de tempo e sem dúvida com grandes sacrifícios, voltou ele entre nós e com a energia da sua convicção muito censurou em público minha inconsequência, curvando-me eu à sua razão, porém não sem que se levantasse certa indignação contra ele, da maior parte dos cristãos que ali estavam presentes, todos circuncisos menos um que viera com o próprio Paulo. Porém, do meu íntimo, confesso-o, acreditava na necessidade da circuncisão por motivo, principalmente, de haver dado o próprio Mestre exemplo de submissão a ela. ...nas duas ocasiões que esteve conosco em Jerusalém, que desejava conhecer o que Jesus tinha deixado como norma a seguir-se em sua Igreja, quer dizer, aquilo que de seus ensinamentos se devia tomar como oficial, nada nós lhe dissemos de concreto, nada que pudesse implicar num ensinamento ou numa revelação para ele.
Apesar do que está dito, foi de grande importância a vinda de Paulo a Jerusalém, pois estabelecemos um critério de harmonia entre as duas Igrejas que devia ser inquebrantável...
É um ato de justiça o fazer ressaltar o proceder de Paulo, que, vendo os antagonismos que vinham surgindo entre as duas igrejas e a prevenção que existia contra ele e sua atuação com o caráter de Apóstolo de que se dizia diretamente investido pelo próprio Jesus, teve espontaneamente a ideia, e a pôs em prática, de aproximar-se aos discípulos diretos de Jesus, recolher de seus lábios os ensinamentos do Messias e submeter-se a eles... Assim não sucedeu, como acabais de ver, devido à nossa timidez e atraso que nos fizeram retrair dele, fugindo a todas as suas perguntas referentes às particularidades da vida, paixão e morte do Filho de Deus e limitando-nos a falar das generalidades de todos conhecidas. Passou, apesar de tudo, Paulo uns quinze dias ou mais entre nós, intervindo em todos os nossos atos religiosos e de propaganda, assim como na distribuição de esmolas e visitas a enfermos, presenciando também alguns exorcismos de atuados por maus espíritos. Ele também, depois de sua primeira visita, apesar de ter feito já milagres de curas de enfermos, livrou muitos possuídos do demônio....tanto mais que fraqueava a nossa supremacia apostólica devido à indecisão com relação ao que constituía a essência dos ensinamentos do Mestre e que implicava verdadeiramente numa completa reforma do Judaísmo sobre a base da teoria das reencarnações, da pluralidade dos mundos habitados e do progresso, como lei primordial do Universo.
Agora mesmo podeis comprovar como depois de tantos séculos de evolução, ainda os povos do Ocidente aceitam com mais facilidade, sem compreendê-las naturalmente, as ideias de céu e inferno que as reencarnações e progresso. Isto é devido, sem dúvida, à preguiça mental que dá preferência às doutrinas dogmáticas que excluem todo o trabalho do pensamento. É fácil compreender-se as transformações que os escritos podem sofrer ao serem copiados por quem não os compreende. Assim também acontece com toda a “comunicação”, quando o cérebro do homem que serve de intérprete para com o espírito que se comunica lhe é muito inferior em preparo. Por isso tudo o que nos Evangelhos às encarnações se refere, tudo o mais ambíguo resultou. Unicamente no Evangelho segundo S. João se vê completa claridade. Esta também aparece, sem dar lugar à menor dúvida, em muitos outros escritos contemporâneos, sendo que os católicos, uma vez decretado o dogma das penas eternas, fizeram desaparecer todo o testemunho que pudesse ser-lhes desfavorável e o que não conseguiram fazer desaparecer, declararam apócrifo ou herege, valendo-se para isto, da autoridade e da força quando chegaram a tê-las à sua disposição.
A verdade é, entretanto, que ainda depois de constituído o dogma das penas eternas, chegou o reencarnacionismo a apoderar-se de todas as consciências ilustradas, entre os próprios Doutores e Padres da Igreja Católica já definitivamente estabelecida e se bem que isto sucedia muito depois da morte de Paulo, é indubitável que a orientação do trabalho ativo que ele impôs à Igreja do Ocidente, desde o princípio, foi o que a encheu de seiva vivificante e é a mesma que agora também dá provas de sua energia, conduzindo em seu seio, mais ostensivamente que antes, a tal doutrina das reencarnações, não já dentro da Igreja, senão fora dela, porque são os espíritos os que evolucionam e progridem, não as cousas nem as instituições, que morrem logo que os espíritos as abandonam.
Entretanto não é de duvidar-se da imensa obra levada a cabo por Paulo, guiado unicamente por sua mediunidade e por sua grande fé. Medianimicamente eleito e consagrado apóstolo, o foi com maior verdade que os outros, porque seu iluminismo vinha diretamente de cima sem os reflexos humanos que em Jesus homem diminuíam a intensidade do brilho de Jesus espírito. Sem dúvida, foi-lhe preciso ver nosso modo de agir e de conduzir-nos em nossos trabalhos na vinha do Senhor; porém, bastou-lhe ver, para que todos os poderes que em nós atuavam se revelassem nele também, com igual ou maior intensidade, tanto na cura de enfermos e nos exorcismos como na clareza da inspiração. Tudo isto que se refere simplesmente ao medianismo, como vós dizeis, constituía naquele tempo, repito-vos, o dom de milagres com que se distinguiam os enviados de Deus.
A pureza de sua vida, santidade de pensamentos, suas continuadas orações, sua grande fé e o esforço constante para ser humilde, aumentaram os dons de sua mediunidade, correndo a sua fama por todas as partes e acorrendo a ele, de todas as partes também, os perseguidos e os desgraçados.
Todos os que tinham fome e sede de justiça apartavam-se dele consolados e iluminados, levando por todas as partes, até à própria Jerusalém, os consolos e a luz que receberam de graça para que as dessem de graça, por sua vez.
Ó Paulo!... Tu foste verdadeiramente grande, o Grande Apóstolo do Cristianismo!
PEDRO
Do livro: VIDA DE JESUS DITADA POR ELE MESMO – Páginas 450 a 467