sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O Título de Filho de Deus

Irmãos meus, o título de filho de Deus elevava minha missão, purificando minha personalidade humana no presente e assegurava minha doutrina no porvir. Com este título de filho de Deus eu renunciava todas as honras, a todas as ambições da Terra e meu espírito tinha que sair vitorioso em suas lutas com a natureza carnal. O título de filho de Deus havia de converter-se em um meio de prestígio para dominar as massas, enquanto que poderia depois explica-lo oportunamente aos homens mais iluminados.
Jerusalém parecia-me lugar pouco favorável para implantar minha doutrina. Porém antes de deixá-la eu queria experimentar minhas forças e pôr em prática meus meios de ação sobre a multidão; pois, no templo rodeado de meus fiéis sequazes.
Era costume que todo homem de alguma fama tomasse aí a palavra, cousa que eu tinha feito muitas vezes. Mas devo confessar que a eloquência sagrada me era difícil, e que em todos os meus discursos minha fraqueza se fazia evidente, pela luta que se estabelecia entre minha natureza física e o desejo veemente de manifestar meu pensamento. Os olhares se fixavam a mim, muito de perto, e as interrupções frequentes, eram suficientes para perturbar meus sentidos e desviar minha memória. Via-me então lançado em certa desordem de ideias e desenvolvia teorias alheias ao tema que primitivamente me havia proposto. Se bem tenha eu vencido mais tarde esta dificuldade, é digno de notar-se que aquele defeito dominava sempre em mim.
A pregação nesse tempo, irmãos meus, não impunha essa atenção muda e respeitosa como atualmente. A má-fé do orador denunciava-se por sua indecisão ao responder as objeções dos ouvintes, e a paciência destes em escutar as demonstrações sábias e religiosas era uma prova do trabalho de seus espíritos que buscavam compreender os preceitos e a moral que deles resulta.
A natureza humana é viciosa porque o homem nasce da lubricidade. Mas, passando pelas provas da carne, o homem desliga-se desta natureza pela força de sua vontade, e achando-se o sentimento humano subordinado ao sentimento religioso o espírito adquire o desenvolvimento que o aproxima à pura essência de Deus.
Eu sou anjo da vida e digo:
“A vida é eterna, os sofrimentos apenas duram poucos dias; sofrei com coragem, a sublime religião de Deus vô-lo recomenda”.
Irmãos meus, a sublime religião de Deus vos ordena demonstrar vossa fé, aspirando o ar da liberdade de vossa alma; adornar vosso espírito, buscando o caminho da verdadeira felicidade, humilhar vosso corpo, cansando-o com o exercício da caridade, privando-o das honras faustosas e dos gozos grosseiros, elevando-o acima dos instintos da natureza animal no que esta tem de mais feroz e asqueroso. ... – Purificai vossa natureza carnal, ó vós que quereis entrar em comunicação com os espíritos puros; pedi luz à ciência de Deus, ó vós que desejais viver e morrer na paz e no amor!
Cafarnaum pareceu-me de tal maneira adaptada para meus fins de proselitismo, que desde o primeiro momento fiz dessa cidade o centro de minha ação e da esperança de minha vida de apóstolo.
Os pescadores de Cafarnaum eram-me simpáticos por sua alegria franca e honrada. Os negociantes me pareciam restos de povos diversos atirados por ali talvez por um capricho da sorte, e os oficiais do governo davam-me a impressão de testemunhas, felizmente colocados ali para proteção de um homem, cujos discursos iriam mais além que o permitido pelo estado.
Ah! Irmãos meus: Quanto se enganam os que crêem que o caminho dos acontecimentos está submetido à fatalidade e que essa fatalidade, cujos golpes ecoam no coração do homem, fere cegamente, inculcando à criatura a ausência de um Ser Inteligente.
Uma vez mais. Não. A justiça de Deus existe e para todos a fatalidade não é outra cousa que o castigo merecido. A fatalidade respeita-vos quando vos encontrais sob a proteção de um espírito de Deus, mas esta proteção não se adquire sem sacrifícios e os sacrifícios são expiações. A supremacia do mando, a servidão, a riqueza, a escravidão, são expiações. A virtude nos reis é pouco comum, a coragem nos escravos é pouco comum, o vigor do espírito nos deprimidos é pouco comum, a liberdade nos ricos é pouco comum. Entretanto, todos se livrariam da fatalidade mediante a virtude, a coragem, a energia do espírito e liberalidade. Todos progrediriam no caminho do próprio melhoramento se estivessem convencidos da justiça de Deus e das promessas da vida eterna. A justiça de Deus a todos nós protege com o mesmo apoio e nos carrega com igual fardo. Ela nos promete a mesma recompensa e nos humilha do mesmo modo, nos alumia com o mesmo facho e nos abandona com o mesmo rigor. ... Peçamos a proteção dos espíritos de Deus, mas não imaginemos que eles hão de proteger uns mais que outros sem a purificação da alma protegida.
Espíritos de desordem inspiravam-me penosas indecisões, espíritos de trevas agitavam minha mente com dúvidas a respeito do meu destino, espíritos de orgulho faziam resplandecer diante de meus olhos a pompa das festas mundanas e o prazer dos amores carnais.
Irmãos meus, o Demônio, figura alegórica do espírito do mal, encontra-se onde quer que estejam espíritos encarnados na matéria, e eu me encontrava entregue as ondas desse mar que se chama Vida Humana.
A facilidade que eu tinha para descobrir as fraquezas dos homens colocava-os sob minha dependência.
Minhas palavras tomavam o caráter de revelações, quando as chagas ficavam a descoberto, e a aparência de predições, quando a indignação transbordava de meu peito. Meus esforços em curar se dirigiam também ao corpo, cujos sofrimentos me era dado apreciar por alguns estudos adquiridos a respeito. Pelo que diz respeito aos meus meios de curar, consenti em admitir, irmãos meus, que sua virtude era puramente humana, e deixai que meus milagres durmam em paz.
..., enquanto que ninguém em minha vida carnal me tomou por um Deus; porque as multidões eram mantidas por mim, na adoração de um só Deus, Senhor e dispensador da vida; porque meu título de filho de Deus não implicava a transgressão do princípio sobre que descansa a personalidade divina, porque a eterna lei dos mundos coloca a morte corporal (matéria) no abismo do esquecimento, entretanto o pensamento segue o espírito no campo da imortalidade; porque a morte é o termo prescrito pela vontade divina, que não pode desmentir-se; porque a ressureição deve entender-se tão-somente no sentido da libertação do espírito; porque a ressureição do corpo seria um passo para trás, ao passo que o espírito caminha sempre para diante. A ressureição, irmãos meus, jamais tem lugar, a morte nunca devolve sua presa. A morte, emblema da petrificação, é o aniquilamento da forma material. O espírito que abandonou a dita matéria não se preocupa mais dela e só a vida que se abre diante dele o cativa e o arrasta.
Jesus não pode ressuscitar ninguém. Tampouco foi Jesus quem curou com a imposição das mãos e com suas palavras. – Ele orou, pediu a libertação dos enfermos e consolou os pobres, fez brotar alegrias no coração dos aflitos e esperança na alma dos pecadores. A terna melancolia de sua conversações atraía para junto de si os melancólicos e às vezes sua terna alegria descarregava os mais sinistros semblantes. Os pobres eram seus assíduos companheiros e as mulheres de má vida corriam para ele para beber em suas palavras o olvido, a força, a compaixão e o ânimo.
Eu costumava descansar em uma barca de pesca durante a noite, das fadigas do dia, escutando as alegres palestras de meus amigos.
Minha hospedagem era na casa de certo BarJona, pai de Cefas e de Simão, o primeiro mais tarde chamado Pedro, o segundo chamado pelos homens André; os três eram pescadores.
As prerrogativas de Cefas têm sua origem no carinho extraordinário que me demonstrou desde os primeiros dias. O caráter sombrio do irmão não deu lugar à mesma confidente expansão. Poucas fisionomias me ficaram tão profundamente gravadas como a de Cefas. Vejo ainda a expressão dessa careta cheia de franqueza e de certa finura. Seus olhos eram azuis e lançavam relâmpagos de inteligência, por cima dumas faces frescas e rosadas, e seus lábios grossos sorriam frequentemente, com o descuido ingênuo de um alegre filho da Natureza.
A cabeça de Cefas era grande, seus cabelos abundantes e dourados, largos os ombros e elevada a estatura. Seus movimentos, um tanto quanto vagarosos, denunciavam reflexão. Mesmo no meio dos trabalhos mais ativos sua fisionomia refletia com fidelidade as emoções da alma. Quando pensei em atrair seu carinho para mim, deteve-me com estas palavras: “Já que a oração é eficaz quando sai de teus lábios, Senhor, ordena aos ventos que me sejam favoráveis durante a noite. Enche minhas redes, e eu acreditarei no Poder de tuas palavras.”
“A oração, lhe respondi, honra a quem a eleva; pronuncia tu mesmo, amigo meu, a fórmula de teus desejos e Deus te ouvirá se esses desejos forem a expressão da sabedoria e das necessidades de tua vida”.
Meu pobre Cefas não estava acostumado à elevação do coração mediante a prece e pouco depois de minha chegada se preocupava das cousas da vida futura. A oração foi-lhe ditada por mim, e na manhã seguinte em suas horas médias (da manhã) fui me informar do resultado. Encontrei os pescadores muito atarefados, encontrando-se já na sétima venda de pescados, apanhados durante a noite. Receberam-me em festa e Cefas se ajoelhou dizendo: “Senhor! – Senhor! – Tu és certamente aquele que Deus enviou para fazer-me paciente nas adversidades e alegre a abundância”.
Levantei Cefas e lhe disse:
“Somente Deus é grande, somente Deus merece teus transportes de reconhecimento e de amor. Tão-só Deus, forte e poderoso, distribui a abundância e as bênçãos aos que lhe dirigem suas orações”.
Retirei-me deixando os pescadores em liberdade de entregarem-se às suas fainas. Não faltou quem, exagerando o alcance deste fato, favorecesse a crença nos milagres.
A religião pura e simples de Jesus não existe mais.
Com fausto delirante, honras tolas e frias relíquias, caiu essa religião ao nível das mais absurdas fábulas. As elevadas verdades ensinadas por Jesus foram substituídas por fantasias e os fanáticos partidários de minha Divindade arrastaram meu nome entre o lodo e o sangue, nos abomináveis espetáculos da Inquisição e sobre os campos de batalhas ímpias.
Do livro: VIDA DE JESUS DITADA POR ELE MESMO – Páginas 107 a 120

Nenhum comentário:

Postar um comentário