A natureza de Jesus, irmãos meus, é vossa própria natureza.
... O favor de Deus não existe, a denominação de privilegiado não tem sentido algum.
... mas perfeição encontra-se tão-somente em Deus, e todos os seres, tendo sido criados por Deus, têm direito a esta luz.
Pedro, em primeiro lugar, o mais ciumento de meus discípulos, me renegaria. Não era, portanto completamente crente, desde o momento que negou sua aliança com Jesus.
João, o mais terno de meus amigos, desnaturava minhas palavras e me apresentava como dotado de poderes sobrenaturais. Não estava por conseguinte dominado pela fé, visto que teve que empregar a fraude para honrar melhor diante de todos minha pessoa e engrandece-la perante o espírito humano.
Tiago, irmão de João, seguia o impulso que recebia de seu irmão, mais fanático que ele.
André não era mais que uma pálida cópia de Pedro.
Os dois Judas estavam em constante oposição, tanto sob o ponto de vista das ideias, quanto por sua mesma exterioridade.
Judas, primo de Pedro, era tímido de espírito, de constituição débil, fácil de comover-se, predisposto a ser influenciado por todos os afetos, a imitar todas as virtudes, a humilhar-se diante de todas as superioridades; porém sem iniciativa e sem forças para lutar abertamente contra a adversidade.
Judas, o que se chama ordinariamente Judas Iscariote, não tinha as aparências de uma natureza perversa, e devemos corrigir a opinião dos homens a respeito deste discípulo oprimido sob o peso de uma repressão universal. Possa nosso juízo fazer penetrar nos espíritos essa terna piedade, que desculpa todos os extravios, esse desprezo pelas prevenções, que proporciona a sabedoria. Possa nosso juízo demonstrar a fraqueza dos juízos humanos, quando julgam de uma vida inteira pelo efeito de um só ato, ainda que este ato tenha sido delituoso. Judas era moreno e seus cabelos caíam naturalmente sobre seus ombros. Tinha a fronte larga, os olhos grandes e bem abertos, a tez pálida, as formas sem defeitos; sua voz, bem timbrada, tornava-se eloquente, quando se inspirava em assuntos graves. Na intimidade era ele quem provocava a alegria nos semblantes, com suas anedotas e observações cheias de agudeza. Jamais se lhe viu em proveito próprio a mais insignificante parte do nosso reduzido pecúlio, o que, por outra parte, ele nunca administrou; meu tio Tiago era encarregado especialmente disso.
O mau conceito que persegue Judas neste sentido é resultado de um dado inteiramente falso com respeito às suas atribuições entre nós. Excessivamente ciumento e aspirando honras e alegrias vaidosas, desejoso de estabelecer sua superioridade em uma associação fraternal, cujos membros se consideravam iguais; eis os defeitos daquele que mais tarde me atraiçoou, para satisfazer um ressentimento de cuja causa sou o culpado.
Por que dava eu a Pedro provas de uma confiança tão evidentemente exclusiva? Por que permitia a João essas maneiras de preferido que acusavam uma manifesta parcialidade de minha parte para com ele? Por que, quando eram poucos os que deviam acompanhar-me, escolhia sempre os mesmos? Por que, enfim, tendo descoberto o mau efeito que isto produzia em Judas, não soube remediá-lo?
Sim, digamos bem alto: Jesus o irmão protetor de Judas, não deteve suficientemente a atenção em sua natureza sensível, ainda que desviada. Jesus não compreendeu que era necessário combater o ciúme, a vaidade, o orgulho desse homem, por meio de uma extrema doçura em todos os casos e com uma justiça severamente igualitária nas suas manifestações de todos para com um só e de um só para com todos. Coloque-se Judas no lugar de discípulo predileto e este no lugar de Judas: João, não vendo-se já apoiado por minha excessiva debilidade, ter-se-ia mantido nos limites de uma afeição santa, e não houvera ofendido a verdade com extravagante desejo de querer-me estabelecer um culto divino; Judas, entretanto, dirigido no sentido que lhe era mais conveniente, não teria atraiçoado. – Pobre Judas! – Eu afastava-me dele à medida de seu maior ressentimento; o mal ia-se agravando; o abismo abria-se quando eu justamente podia encontrar o remédio em meu amor, evitando a queda desse espírito fraco. – Pobre Judas! – Em minhas últimas horas tu, mais que tudo, ocupaste meu pensamento, e minha alma se inclinava para a tua para falar-te de esperança e reabilitação.
O abandono cheio de ingenuidade e o caráter feliz de Alfeu contrastava com a obscura fisionomia de Filipe, o qual se obstinava em vaticinar um porvir infausto e o fracasso de nossas doutrinas.
Tomé nunca acreditou na revelação divina, porém havia-o fanatizado a grandeza da obra.
Mateus, o mais bem preparado de meus apóstolos, foi também o mais sincero ao referir nossos discursos.
Meu irmão Tiago era sempre o primeiro em responder sim a tudo o que eu propunha. Minha paciência e minha coragem seriam recompensadas por este filho de Maria, e a graça coroaria o espírito de meu irmão nos últimos dias de minha vida mortal.
... e bem me lembro, emocionado, a constante dedicação de Mateus para com Tomé e a paternal proteção do meu tio Tiago para com Lebeu.
... Minha predileção por Pedro tinha-se formado devido à retidão de seu caráter, ingenuidade de espírito, delicadeza de sentimentos e à sua excessiva probidade.
... Pedro era casado. Os dois filhos de Salomé sustentavam a mãe. Somente Judas e Lebeu estavam livres de parentela que pudesse pesar sobre eles por sua pobreza. Meus dois Tiagos, já se sabe, não tinham outras esperanças senão aquelas que depositavam em mim, nem outros temores e cuidados.
“Deus está em todas as partes, ele vê vossos pensamentos mais secretos. Privai-vos, portanto de dirigir-lhe vossas preces somente com os lábios.
Irmãos meus, a oração dominical não foi ditada por mim. Nossas preces eram feitas com o pensamento e com a prática dos deveres que nós nos impúnhamos.
Esgotado pelas fadigas do apostolado, com o espírito devorado pela ambição das alegrias celestes, via no martírio a promessa de um glorioso repouso, e não procurava retardar a hora de sua chegada, porque sabia que a hora estava marcada e que a elevada felicidade da espiritualidade pura que me esperava começaria com os derradeiros espasmos de meu corpo material.
Irmãos meus, esse fanatismo constituía o sentimento de minha missão. Do vosso mundo, eu sou o único Messias a quem lhe foi concedido poder continuar ostensivamente sua obra, porque a fundei com minha vida de trabalho e com minha vontade para o sacrifício.
Estabeleçamos aqui, irmãos meus, uma comparação entre Sócrates e Jesus, ambos mortos pela glória de uma doutrina, de razão sã e honrada pela luz divina.
Sócrates fez-se afetuoso e filósofo dominando suas paixões; fez-se religioso compreendendo a Natureza; fez-se forte falando com os espíritos de Deus.
Sócrates morreu perdoando as seus verdugos e abençoando a morte que lhe restituía a liberdade; mas não pôde fundar um culto para com o verdadeiro Deus, nem demonstrar a utilidade de sua morte para os homens do futuro, e não resta dele mais que uma escola, famosa, é certo, porém, sem preponderância no Universo, porque a palavra emanava aí de homens cheios ainda de superstições, apesar dos princípios de moral postos por eles em prática. A doutrina da existência de um só Deus ensinada por Sócrates e mais tarde por seus discípulos não se elevou acima das ruínas da idolatria e não lançou os fundamentos de uma sociedade nova.
Ao fazer ressaltar assim minha superioridade como Messias, devo não obstante inclinar-me diante deste Sábio e aponta-lo à Humanidade como um dos seus membros mais dignos de respeito e de amor.
Sócrates viveu na pobreza e jamais seus lábios foram manchados pela mentira. Foi puro de todo o ódio e de todo o desejo humilhante para a consciência; jamais sua palavra se elevou para acusar e jamais seu coração guardou ressentimentos. A piedade para o infortúnio, o desinteresse em suas relações, a força e a justiça contra a insolência e a falsidade, honraram a vida de Sócrates, e a morte transportou-o no meio de torrentes de luz para as fontes de todas as honras. Sócrates tem um ponto de semelhança com Jesus, e é de haver dado o exemplo das virtudes que pregava e de ter morrido pela verdade.
Jesus bem sabia que podia ter evitado a morte, porém a filiação divina que ele se havia dado, a radiante esperança que demonstrava para inspirar a futura docilidade a seus apóstolos, a palavra profética que lançava como uma chama sobre o porvir, tudo constituía uma lei que o impelia a morrer dolorosamente e por sua própria vontade.
Chegamos a Nazareth. Deixei meus apóstolos em uma casa próxima à cidade e com meu tio e meu irmão apresentei-me em casa paterna.
Toda a família estava reunida para receber-nos e pressentimos uma posição mais viva nesta concentração de forças. Meus irmãos consanguíneos, cujo número de cinco se havia reduzido a três (deplorava eu o mau humor de meus outros irmãos, assim como eu, filhos de Maria), tinham pensado poupar-me um acolhimento demasiado frio. O irmão que me seguia em idade vivia em lugar distante cinco estádios de Nazareth. Eu não podia conhecer as qualidades de seu coração, nem as relações que se mantinham entre ele e os demais irmãos; porém em seguida, li em seus olhares o profundo desprezo que lhe inspiravam minha vida errante e meus trabalhos de apóstolo. Ia para abraça-lo, porém ele repeliu-me e pronunciou estas palavras:
“Eis-te! Vens agora para permanecer muito tempo ou por uma hora? Voltas a ser nosso irmão ou segue sendo o filho de Deus? Devemos absolver-te ou resignarmo-nos a uma separação definitiva?”
“Teus irmãos são filhos de José e de Maria, que tens tu demais que eles? Teus irmãos têm cumprido seus deveres de filhos e de parentes, que tens feito tu de tua parte?”
Inclinei a cabeça ante esta recriminação que envergonhava minhas divinas esperanças e em seguida, dirigindo-me à minha mãe, disse-lhe:
“Pobre mãe, teu filho Jesus te inunda de lágrimas, porém ele chama Deus em testemunho da pureza de seu coração e da lealdade suas intenções; seu espírito está abrasado pelo desejo espiritual e te amará a ti muito mais na pátria celestial do que pode amar-se sobre essa Terra”.
“Sim, interrompeu meu irmão, na pátria celestial não se precisa de nada, o amor de Deus alimenta, e a nossa mãe será amada pelo filho de Deus. Que honra para todos nós, se isso fosse algo mais que um sonho de um insensato!”
Eis os nomes de meus irmãos e irmãs por ordem de idade: Efraim, José, Elisabete, Andréa, Ana e Tiago.
Quanto a meus irmãos consanguíneos, os que a história nebulosa de minha vida converteu em primos, recordo-me com um sentimento de felicidade de seus afetos. Chamavam-se: Matias, Cleofas e Eleazar.
José e Andréa seguiram-me mais tarde para opor aos meus meios de propaganda a negação de meu título divino e acusaram-me de loucura. Meus irmãos Matias, Cleofas e Eleazar demonstraram sê-me mais tarde, porém só com o desejo de arrancar-me à morte, sem combater minha fé.
“O espírito do homem tem que abandonar seu corpo; porém o espírito voltará a tomar outro corpo. Por isso, quando vós me perguntais se eu sou Elias, respondo-vos: Elias voltará, mas eu não sou Elias...”.
“Recomendo-vos que vos liberteis do temor da morte, porque a morte se reduz a uma mudança de residência...”.
“Não espereis dos homens a recompensa dos vossos trabalhos; ponham somente em Deus vossas esperanças.”
“Deus jamais permanece surdo à prece e aos desejos de um coração puro e agradecido”.
O título de filho de David, com que me denominaram em Jericó e em outras partes, não produziu em mim, mais que piedade e impaciência.
Que podia importar a Jesus o título vaidoso de filho de David e o outro título, ao qual se quer dar uma forma dogmática?
Do livro: VIDA DE JESUS DITADA POR ELE MESMO – Páginas 198 a 223
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