... Ponhamos à prova nossos recursos, permaneçamos firmes na luta, e peçamos a Deus a proteção de seus melhores espíritos; mas não contemos com esta proteção enquanto não nos emendemos de nossos hábitos fatais, e mediante nossos esforços postos em evidência como um chamamento e como promessa de purificação.
Os primeiros apóstolos de Jesus, irmãos meus, foram, depois de Cefas e André, Tiago e João, filhos de um pescador chamado Zebedeu.
Aqui devo dedicar uma página a Salomé, mãe dos novos discípulos.
Esta mulher heroica, porém simples no heroísmo, é conhecida tão-somente pela celebridade de seus filhos, e entretanto ela possuía mais grandeza de alma que seus dois filhos reunidos. Esposa carinhosa de um trabalhador, mãe admirável, mulher inteligente e de uma devoção elevada, Salomé foi, entre meus ouvintes, uma das mais assíduas e fervorosas. Eu não elevei Salomé, ela elevou-se sozinha, mediante a intuição de minha missão divina, e ambos nos encontrávamos caminhando unidos na força da fé para o calvário, eu para morrer, e ela para ver-me expirar em meio das torturas. Não é verdade que Salomé me haja pedido que colocasse a seus dois filhos um de cada lado meu na mansão do meu Pai. Se Salomé tivesse formulado semelhante pedido, eu não teria que apresenta-la aqui na forma que faço.
... João empregava mais ardor na discussão, mais extravagância em seu entusiasmo, mais paixão na amizade e, também, mais vaidade no apego à minha pessoa. Eu não me preocupava em combater as tendências de João para a exageração, e seu irmão, menos exagerado, me inspirava temores que jamais se realizaram. Fatal cegueira! João era a estrela de meu repouso como Cefas era o instrumento de minha vontade, o braço da ação, e entre estes dois homens estabelecia a mesma diferença que estabeleço hoje. Mas nas discussões que se promoviam entre todos eu costuma inclinar-me de preferência para o lado de João. Não me apercebia que seus caprichos de preferido, que suas exaltações de ânimo semeavam a desordem no presente e preparavam as sombras do porvir!
Irmão meus, este discípulo, cujas ternuras constituíam minha felicidade, foi realmente o mais querido; porém neste momento eu lhe retiro diante da posteridade o prestígio de discípulo fiel a seu mandato, porque todo o desempenhou com o inverossímil, referindo os fatos, não tal como eles haviam tido lugar senão como ele desejava que houvessem sucedido.
Aos quatro discípulos familiares de Jesus se agregaram outros quatro, cujos nomes são: Mateus, o aduaneiro; Tomé, o mentor de meus apóstolos pela inteligência dos assuntos externos; Lebeu, o mercador e Judas, célebre por sua traição.
Uma noite em que, depois de cear, me achava rodeado de todos meus irmãos, o contentamento deles se manifestava com gracejos picarescos e acertados ditos, quando a alguém ocorreu chamar-me Rabi, que significava mestre e pai, nome mais expressivo que o de senhor.
Para participar do bom humor de meus irmãos, me dirigi a todos e a cada um deles, pesquisando os signos de seu porvir no caráter de cada um, que eu havia estudado. Das cabeças ardentes de Tiago e seu irmão, da penetração de Mateus, da capacidade administrativa de Tomé, a natural bondade de Lebeu, deduzi horóscopos confirmados mais tarde pelos fatos. Acalmei também o ciúmes de Judas, favorecendo-o mais que os outros.
A André, dei-lhe ânimo, dizendo-lhe:
“Meu querido André, abraça-te a teu irmão e apoia sobre ele tuas débeis mãos. Os passos de Cefas te conduzirão a trabalhos aos que tu só não conseguirás levar a termo; sua força cobrirá tua fraqueza. Livra-te da languidez que debilita tua alma; a fé e a resolução não dependem da fadiga dos órgãos e do pesadume na execução. Honremo-nos imitando nossos laços fraternais e nossa confiança no porvir. Dos cuidados que demanda a grandeza futura de nossa empresa não te preocupes. Descansa no Mestre e, depois do Mestre, sobre teu irmão, que é a pedra fundamental de nosso edifício”.
Cefas levantou-se radiante e disse:
“Mestre, abençoa a pedra fundamental e jamais virá abaixo o edifício”.
Irmãos meus, jamais saiu de meus lábios o mesquinho jogo de palavras que se me atribuiu a este respeito. A origem do nome de Pedro foi devida simplesmente à facilidade de comparação, que me proporcionou esse momento de confidencial abandono entre homens cujo valor havia aquilatado.
O nome de Cefas foi substituído imediatamente pelo de Pedro. Assim o designaremos daqui por diante, como Pedro, o apóstolo de Jesus, fundador dessa religião, materialmente pobre por seus membros, resplandecente de riqueza por suas aspirações, doce e caritativa, forte e majestosa, terna e paciente para todos, cultivada de todos os deveres, poderosa apesar dos assaltos sofridos, eterna pelos exemplos de virtude, que deviam levantá-la até Deus e conquistar o mundo...
Mulher e mãe, segundo a natureza humana, Maria, mãe de Jesus homem e Espírito da Terra, chegou por esse tempo a Cafarnaum e nós a encontramos no seu regresso da cerimônia do Jordão. Maria empregou todos os recursos de sua ternura e todos os raciocínios da autoridade materna para persuadir-me da loucura que fazia em cerrar meu coração às alegrias da família para acariciar um propósito quimérico, posto que era tão formoso, acrescentava minha mãe. Maria chorou pelos perigos que eu afrontava. Vendo as lágrimas, eu sentia uma profunda dor, um deslumbramento, alguma coisa que me atraía para as alegrias da adolescência, mas subitamente fugi do prestígio do amor materno, pronunciando estas cruéis palavras:
“Minha mãe, roga por teu filho, já que se distancia neste momento do dever traçado pela natureza humana”.
“Mas nota bem a forma da minha repulsa: Não tenho mais nem mãe, nem irmãos, nem irmãs, nem parentes, e a potente voz de Deus me chama para o martírio”.
“A mulher deve retirar-se e a mãe colocar-se para deixar ao homem e ao filho a plenitude e a liberdade de seus atos”.
“Vai-te, pois, minha mãe, e fazei a Deus o sacrifício de teu filho, como eu lhe faço o de minha vida.”
Quero dizer que renunciei repentinamente ao meu isolamento a respeito dos meus, e acedi ao desejo de minha mãe de receber um de meus irmãos apóstolo, e o irmão de minha mãe como administrador dos meus interesses pecuniários, em meio de minha vida de pobreza nômada e de caprichosas mudanças.
Minha mãe cumulou-me de provas de amor e de testemunhos de perdão – Pobre mãe! – O rocio de tua benção caiu em meu coração como o fogo devorador do remorso e, pela vontade de Deus, sofria tormentos inauditos recordando-me o anterior abandono e preparando meu sofrimento futuro.
Quando ficou viúva, Maria tinha contado com os filhos de seu marido para encaminhar aos seus, isto é, para coloca-los honrosamente nas fileiras de uma classe laboriosa. Minhas duas irmãs se haviam casado há pouco tempo e dos quatro filhos de Maria, unicamente o mais jovem, chamado Tiago, tinha permanecido inativo, chegando por isso minha mãe a pensar em confiar-me.
Desde o momento que a firmeza de minha vocação, dizia minha mãe, me havia impedido até esse momento de ajuda-la, era necessário, pelo menos agora, que tomasse a meu irmão mais moço sob minha proteção.
Meu tio, o único irmão de minha mãe (sublinho isto como um desmentido à versão que atribui a Maria uma irmã com o mesmo nome de Maria), meu tio, digo, era o mais convencido entre os membros da família, a respeito da minha missão; queria acompanhar-me até a morte, dizia, e cumpriu sua palavra.
Meu irmão Tiago tinha vinte anos. Meu tio viúvo e pai de duas filhas já casadas, era dois anos mais jovem que minha mãe.
Tiago, meu tio, acompanhou-me até o calvário; Tiago meu irmão fugiu louco de dor. Maria de Magdala e Maria minha mãe foram as duas únicas mulheres que contemplaram minha agonia sobre a cruz.
Cleofas era um filho de José, nascido do seu primeiro matrimônio com Débora, filha de Alfeu. Este particular é tão insignificante como o erro que lhe deu lugar e o deixaremos aí.
Tiago, meu tio, desejava participar do caráter sagrado da obra, reservando-se o humilde papel de encarregado das funções materiais e recusou o título de apóstolo, que o teria impedido dizia ele, de manter convenientemente o equilíbrio de meus meios de subsistência.
De minhas irmãs, uma vivia em Nazareth e a outra em uma pequena cidade chamada Canaã.
Fomos a Canaã; conta-se que fui atraído por umas bodas em cujas circunstâncias teria chamado a atenção sobre minha pessoa por meio de um milagre – Milagres. – Sempre milagres!
Oh, irmãos meus, quão doloroso é ter que ocupar-me de tal impiedade! – Como sofre meu sentimento de homem ao ter que desmentir as aberrações dos homens!
Mas, que se precisava para arrastar os homens para o fanatismo? – Milagres. – Pois eles fizeram milagres.
Na natureza espiritual, nós não dispomos dos elementos da natureza terrestre e não podemos fazer milagres com o único objeto de entreter os homens; mas podemos dar-lhes forças para que creiam em nós.
Permaneçamos em piedosa expectativa e não participemos do erro comum entre os espíritos humanos, pedindo novos milagres semelhantes aos milagres antigos e estúpidos como o das núpcias de Canaã.
No festim de ditas núpcias os homens se embriagaram tanto, que me arrependi de haver ido para o meio deles. Minha mãe disse-me: Mesmo que se convertessem as fontes de água em fontes de vinho, eles as esgotariam. Estas palavras, ouvidas por um dos presentes, andaram de boca em boca à volta da mesa.
Modos de moralidade duvidosa, propósitos de má lei, gracejos descabidos a meu respeito e de meus apóstolos deram fim a uma festa durante a qual haveria transformado seguramente o vinho em água, se me houvesse sido dada a possibilidade de fazer um milagre.
Irmão meus, Mateus encontrou-se também, como João, nas núpcias de Canaã; porém somente João se apoderou deste fato para lançar dúvida nos espíritos. Foi João quem me expôs à adoração dos homens com a narração de mentidos milagres. Foi João quem se deixou surpreender em flagrante delito de incapacidade, quer seja em seus discursos, quer seja por motivo do silêncio que guardava quando as circunstâncias lhe exigiam o dever de falar. João é o responsável pelas forçadas humilhações de Jesus em face dos desmentidos e dos juízos humanos. É a João a quem as novas gerações devem culpar pelos erros das gerações passadas, porque foi ele quem espalhou as palavras do fanatismo, foi ele quem rebaixou minha missão aos olhos dos contemporâneos e que as tornou impossível de reconhecer aos olhos da posteridade. Eu tinha por este discípulo a fraqueza que têm as mães pelo filho cuja constituição física exige mais cuidados que a dos outros e não me preocupava das vergonhas futuras que me preparavam suas loucas ambições, quando o fato das núpcias de Canaã veio abrir-me um vasto campo de reflexões funestas. Em minha pobre estada humana, irmãos meus, o caminho de minha missão foi sempre embaraçado pelos homens que me rodeavam, e minha deferência para os desejos dos demais tomou uma aparência de fraqueza.
Definirei a maneira de ser de João dizendo que era ela como a da generalidade dos homens, que desejam ver o maravilhoso encadeamento dos desígnios da Providência e são insaciáveis de graças e promessas espalhadas pela graça divina.
Concretizemos: João foi de boa fé em seus desejos até que os sonhos de sua imaginação delirante o impeliram a dar vida as divagações de seu espírito, e me amou por todas as razões que fizeram dele o mais terno e entusiasta de meus discípulos.
... Devo mencionar agora o nome de meus outros três discípulos. Eram: Deodoro ou Dídimo; Felipe ou Eleazar, mais conhecido pelo primeiro nome, e Judo, primo de Pedro. Com o fim de distinguir aos dois Judos se designou ao outro com o nome de Judas.
... Todos os pobres desejavam tocar as vestes e a capa daquele que dizia: “Felizes os que sofrem neste mundo, porque verão a Deus. Desgraçados daqueles que vivem aqui na abundância e na alegria, porque a justiça de Deus prepara-lhes privações e tristezas”.
Mas nenhum enfermo foi curado pela aplicação de minhas mãos sobre ele, nem jamais a autoridade de minha voz fez recuperar as vistas aos cegos e o ouvido aos surdos, nem a morte jamais restituiu sua presa, pois eu o disse: “As leis de Deus são imutáveis”.
Concluo aqui este capítulo, irmãos meus.
Do livro: VIDA DE JESUS DITADA POR ELE MESMO – Páginas 120 a 138
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